Dialogando numa senzala

“Diálogo” com Castro Alves (trechos dele entre aspas e os meus em negrito).

“Donde vem? onde vai? Das naus errantes
Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço?
Neste saara os corcéis o pó levantam,
Galopam, voam, mas não deixam traço.”

Venho de perto. Daqui mesmo. Aqui nasci.
Roubaram-me o rumo. Tudo é cansaço.
Mas naquele raio de sol,
Me apego e me refaço

”Bem feliz quem ali pode nest’hora
Sentir deste painel a majestade!”

Aquele raio é minha única vontade
O quero tanto e tanto
na mesma medida em que morro
tanto e tanto
Por isso o quero.

“Esperai! esperai! deixai que eu beba
Esta selvagem, livre poesia”

Como esperar, nobre poeta?
Donde venho é desse chão
Onde vou? Beijá-lo, claro!

“Por que foges assim, barco ligeiro?
Por que foges do pávido poeta?
Oh! quem me dera acompanhar-te a esteira
Que semelha no mar — doudo cometa!”

Não fujo de ti, ilustre trovador!
Nem sei bem de que fujo, talvez de mim.
Como se eu pudesse enganar minha dor
Como se desejo tivesse fim
Sabes o que meu desejo quer, ilustríssimo?
Desejar mais e mais!

“Sacode as penas, Leviathan do espaço,
Albatroz! Albatroz! dá-me estas asas.”

Bem queria eu ser uma gaivota
Dividiria, sim, as minhas asas e voaria contigo lado a lado.
Que graça tem voar numa só nota?
A mesma graça de um desejo saciado…

“Donde é filho, qual seu lar?”

Deves estar achando que não digo coisa com coisa, acertei?
Afinal quero ou não a liberdade?
Sabe, é que essa cachaça, esse luar…
Abalam a pessoa que é uma loucura…
Mas é que a liberdade, de tanto que se a procura
Quando se acha ela se parece com o mar…
Bela, vasta e de dar medo…

07 de Fevereiro de 2009,

Ana Helena Ribeiro Tavares

Dialogando numa senzala no Recanto das Letras

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O panfleteiro e os esclarecidos

– “Um minuto pro Senhor Jesus!”

– “Pra quem? Olha, se for negócio de religião nem adianta”, dizem os senhores apressados.

– “Só quero lhe entregar esse papel. Fala de Jesus.”

– “Ora, faça-me o favor! Acha que vamos cair nessa?! Somos esclarecidos!”, dizem e lá se vão soltando fogo por todos os poros.

– “A paz de Jesus, senhores”.

O diálogo é verdadeiro e o presenciei recentemente ao passar tarde da noite pela porta de uma igreja evangélica.

Ainda que eu acredite muito em Deus, nunca me envolvi com religião nenhuma, mas ao me deparar com a cena não pude deixar de refletir sobre o que mesmo aqueles dois senhores acham que é ser esclarecido.

Intolerância é esclarecimento? Medo de contestar as próprias certezas é esclarecimento? Quem está de fato seguro no que pensa, no que crê, precisa tratar mal o diferente?

Não, de esclarecidos não tinham nada.

15 de Novembro de 2008,
Ana Helena Ribeiro Tavares

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