Projeto Genoma deve aprender a driblar o preconceito

Seis anos depois de escrevê-lo, é com grande orgulho que dedico este artigo à Karinne Siqueira, minha amiga SEN-SA-CI-O-NAL que conseguiu a façanha de conciliar as “novelas da Glorinha” com a faculdade de filosofia… e com especialização em bioética… (te mete! rsrs)

Sempre se soube que o preconceito racial nasceu da intolerância humana, mas agora que, graças ao projeto genoma, a ciência pôde comprovar que o conceito de raça não tem embasamento genético, isso ficou muito mais claro, tornando ainda mais deplorável qualquer tipo de preconceito. A verdade é que todos nós – ricos e pobres, brancos e negros, judeus e palestinos – fazemos parte de uma só raça, maravilhosamente diversificada: a raça humana.

Entretanto, apesar de ter conseguido mostrar que os homens têm entre si muito mais semelhanças do que diferenças, o projeto traz também uma inovação que, por ironia do destino, pode tornar ainda maior a discriminação entre os homens. É provável que daqui a algum tempo seja possível determinar, ainda na barriga da mãe, as características de um ser humano, podendo-se, assim, “montar” um filho idealizado segundo a visão de seus pais. Isso pode trazer sérias conseqüências, pois a grande maioria das pessoas não vai querer ter um filho de mentalidade mediana e fora dos padrões de beleza, podendo ter em casa grandes gênios e beldades. Parece óbvio que aqueles que não puderem ter acesso a essa tecnologia ou não fizerem parte dessa geração de superbebês passarão a ser discriminados. Estaríamos entrando num nazismo disfarçado…

Sem contar que fazer com que o ser humano já nasça perfeito seria criar super-homens para condená-los a viver limitados pela própria perfeição.

E há ainda outra questão levantada pela possibilidade de que, com toda essa evolução na engenharia genética, se consiga prolongar cada vez mais o tempo de vida do homem: será que o planeta Terra terá condições de absorver de forma razoável o iminente aumento da população mundial? Não só do ponto de vista ecológico, como também pelo prisma social, parece-me que a resposta é não… Afinal, de nada adianta fazer com que o homem viva mais se não forem criados recursos para que ele tenha uma boa qualidade de vida. Até porque, um aumento desordenado da população do planeta, só virá aumentar ainda mais a exclusão social e o abismo entre ricos e pobres. Corremos, então, o risco de assistir a um cada vez mais impetuoso darwinismo social – em que o mais poderoso critério de seleção seja o dinheiro.

Além disso, ao modelar as características que terá uma pessoa, como se ela fizesse parte de uma linha de montagem ou, então, ao criar cópias perfeitas de um ser humano, a ciência, querendo brincar de Deus, estará, paradoxalmente, abrindo mão da diversidade humana que tanto preza e que faz do homem a obra prima da criação. Seria coisificar o homem, negando-lhe sua essência individual.

Prefiro, portanto, pensar no projeto genoma, a princípio, como a prova definitiva de que a raça humana é só uma, tão única quanto fascinante. Certamente não será isso que fará com que, de uma hora para outra, a humanidade passe a conviver em harmonia, mas se fizer com que as pessoas ao menos reflitam sobre os benefícios dessa convivência, sem dúvida já será um grande começo.

Ana Helena Ribeiro Tavares,

(primeiro artigo meu publicado em jornal, nos jornais “O Globo” e “Extra”, caderno Cidadão do Futuro, edição de 22 de Junho de 2002)

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