Busca ativa ou testagem de massa?

Por Eduardo Azeredo Costa*

O noticiário brasileiro há algumas semanas traduz como ‘testagem de massa’ a inicativa de busca ativa de casos da COVID-19, sem explicá-la, tornando a atividade de testagem um mero indicador para comparações de ações entre países. Assim, como o Brasil não a pratica (figura A), fica criada a corrida pela testagem. E nem mesmo conseguimos ainda agregar dados de resultados dos testes de rotina dos serviços de saúde para fins diagnósticos.

Embora fosse natural que no afã dos primeiros preparativos para a epidemia no Brasil a expanão dos leitos de UTI, um dever de Estado, fosse uma prioridade a ser realizada pelo conjunto dos serviços, ficou claro que sem uma orientação epidemiológica não conseguiria equilibrar as grandes desigualdades no acesso aos hospitais em um país com enorme concentração de renda, e que não dispõe de planejamento voltado para a equidade na saúde. Falhas na comunicação e primeiras decisões, até certo ponto esperadas numa situação inteiramente nova, levaram a que as pessoas evitassem a busca para atendimento precoce. Em consequência, começamos a ter óbitos não assistidos em casa e uma pletora de casos já graves aos serviços de saúde.

Ainda que não se deva minimizar a ação desorganizadora e danosa do Governo Federal e do Presidente da República até agora, já clara e universalmente reconhecida, há problemas que na ausência de uma estrutura administrativa ágil, precisam ser ventilados para todos aqueles prestadores de serviços de saúde, dispersos e fragmentados pelo tipo de organização do SUS, poderem realizar atividades com foco e eficiência.

Faltou clareza, ou apoio epidemiológico competente para o tipo de problema, em todo o processo de enfretamento à COVID-19. Ainda que a informação seja falha, há conhecimento disciplinar histórico das ações de combate às doenças agudas de alta contagiosidade, que permite agir com eficácia (1).

Por isso, a ‘testagem de massa’ soa como mais uma quimera, que precisa ser desconstruída para o uso correto dos testes moleculares e sorológicos. Isso, quando, por informações que disponho, há disponibildade de testes sem uso em alguns locais, pela simples falta de plano ou de pessoal treinado para seu uso. Há alguns municípios brasileiros que estão trabalhando corretamente nesse sentido, mas sem todos se capacitarem o resultado pode ser falho em termos nacionais.

Os países asiáticos tiveram enorme sucesso no controle rápido da epidemia. Além de dirigentes qualificados  e respeitados pelos seus povos, usaram a epidemiologia clássica para poderem ser bem sucedidos. De um lado o foco no isolamento geral, por recomendação a todos e desmobilização de serviços não essenciais, e de outro a busca ativa e o o rastreamento de casos. No caso da China, essas atividades de vigilância epidemiológica se iniciaram ainda antes que estivessem disponíveis os testes diagnósticos, que com eles ficaram mais robustos.

Em que consistem essas duas atividades?

O rastreamento parte de casos conhecidos que procuram atenção medico-hospitalar. As equipes de visitação sanitária (agentes de saúde ou outros profissionais de enfermagem) são comunicadas imediatamente pelos pontos de atendimento e vão à residência e ao trabalho (se estiver ativo) de quem adoeceu e testam todos os membros da família e seus amigos mais próximos nas comunidades para a presença do virus na garganta (infectantes) e testes sorológicos. Todos o que tiverem febre e outros sintomas compatíveis com o diagnóstico inicial de SRAG serão postos em isolamento, se tiverem condições favoráves em casa, com recomendações e, se possivel contato diário para saber da evolução das pessoas. E se necessário encaminhar para um local de isolamento comunitário qualificado. Note-se que o uso de telefonia celular e internet viabiiza que essa ação seja rápida.

A busca ativa foca nos grupos profissionais que não podem parar, como saúde, frigoríficos, indústria de alimentos, transportes coletivos, motoristas de carga, entre outros; faz-se ‘swab’ indiscriminado nos trabalhadores, o que se repete periodicamente, para a coleta de materal naso-faríngeo. Os positivos são isolados e postos em observação com o mesmo trabalho de rastreamento já descrito. A busca ativa na entrada e saída de cidades menores devem ter consequências sanitárias, não ser apenas para obter imagens. Além de desestimular a movimentação desnecessária, devem servir para que possa ser localizado e informado naquele positivo.

O complemento do uso de testes para diagnóstico, busca ativa e rastremento, são os estudos sorológicos sequenciais em painéis da população por amostragem, como a inicitiva da UFPelotas (2). Por eles pode-se agregar segurança para o acompanhamento nacional da epidemia.

Essas ações estão sendo feitas simultaneamente ao isolamento social indiscriminado também em países da Amética Latina com sucesso. E é obrigatório que se mantenham depois que a epidemia é controlada, para não sermos surpreendidos com uma ‘segunda onda’.

O Brasil conseguiu graças ao isolamento indiscriminado mitigar a epidemia (Figura B), mas não reduzí-la. Para a realização das ações de busca ativa e rastreamento, não executadas até agora, não é necessário importar 42 milhões de testes. 10 a 20% já seriam muito bons se usados adequadamente.

E com isso é possível racionalmente flexibilizar algumas atividades de isolamento social e ainda assim ter a supressão da epidemia. Há modelos que o demonstram, especialmente quando o objetivo é reduzir a taxa de reprodução de casos de menos de 1,5 para abaixo de 1 (3,4,5).

Rio de Janeiro, 13 de junho de 2020. (Rev. 16/06, com inclusão de gráficos)

*Eduardo de Azeredo Costa, PhD em Epidemiologia, é professor titular de Epidemiologia da ESNP/Fiocruz aposentado, ex-Secretário de Saúde do ERJ e ex-Secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do MS. Atualmente é Assessor de Cooperação Internacional da ENSP/Fiocruz.

Referências:

1. C. M. Peak, L. M. Childs, Y. H. Grad, C. O. Buckee, Comparing nonpharmaceutical interventions for containing emerging epidemics. Proc. Natl. Acad. Sci. U.S.A. 114, 4023–4028 (2017). doi:10.1073/pnas.1616438114pmid:28351976.

2. UFPEL – 19c528cc30e4e5a90d9f71e56f8808ec(1).pdf

3. J. Hellewell, S. Abbott, A. Gimma, N. I. Bosse, C. I. Jarvis, et al – Centre for the Mathematical Modelling of Infectious Diseases COVID-19 Working Group, Feasibility of controlling COVID-19 outbreaks by isolation of cases and contacts. Lancet Glob. Health 8, e488–e496 (2020). doi:10.1016/S2214-109X(20)30074-

4. Liu, L.-M. Yan, L. Wan, T.-X. Xiang, A. Le, J.-M. Liu, M. Peiris, L. L. M. Poon, W. Zhang, Viral dynamics in mild and severe cases of COVID-19. Lancet Infect. Dis. S1473-3099(20)30232-2 (2020). doi:10.1016/S1473-3099(20)302322pmid:32199493

5. L. Ferretti, C. Wymant, M. Kendall, L. Zhao et al. – Quantifying SARS-CoV-2 transmission suggests epidemic control with digital contact tracing. Science  08 May 2020:Vol. 368, Issue 6491, eabb6936. DOI: 10.1126/science.abb6936 Corresponding author. Email:christophe.fraser@bdi.ox.ac.uk

6. T. Mellan, H. Hoeltgebaum, S. Mishara et al.  -Report 21: Estimating COVID-19 cases and reproduction number in Brasil. Imperial College COVID-19 Response Team. Imperial College London (08-05-2020), doi: htpps://doi.org/10.25561/7881

Figura A: Brasil não rastreia .        

Figura B: Mitigação no Brasil e sub-notificação = crescimento lento (curva achatada)

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MOVIMENTO NACIONAL PELA JUSTIÇA SOCIAL*

A pátria não é ninguém; são todos; e cada qual tem no seio dela o mesmo direito à ideia, à palavra, à associação. A pátria não é um sistema, nem uma seita, nem um monopólio, nem uma forma de governo; é o céu, o solo, o povo, a tradição, a consciência, o lar, o berço dos filhos e o túmulo dos antepassados, a comunhão da lei, da língua e da liberdade. Rui Barbosa

“A pátria não é ninguém, são todos” (Rui Barbosa)

Convocação à Nação Brasileira

A pátria não é ninguém; são todos; e cada qual tem no seio dela o mesmo direito à ideia, à palavra, à associação. A pátria não é um sistema, nem uma seita, nem um monopólio, nem uma forma de governo; é o céu, o solo, o povo, a tradição, a consciência, o lar, o berço dos filhos e o túmulo dos antepassados, a comunhão da lei, da língua e da liberdade.   Rui Barbosa

O Brasil corre perigo!  Está sendo desgovernado por um presidente inadequado para o cargo para que foi eleito.   Fruto de um processo político que buscava uma liderança que tirasse o Brasil da crise, foi, na verdade, um blefe que infelizmente enganou milhões de brasileiros.

O pais já é  considerado um pária entre as nações.  Enquanto os outros países tentaram e alguns conseguiram evitar a dispersão do vírus, nosso dirigente maior, enlouquecido, optou pela contaminação do maior número possível de brasileiras e brasileiros, para gerar uma cumplicidade com o que há de pior na sociedade.   Ou seja, os brasileiros serão considerados um risco de levar a contaminação à países que já conseguiram evitá-la. 

 Não bastasse o número absurdo de mortos em relação aos outros países, o presidente desdenha das vítimas, dá mau exemplo para o povo e, pior, coloca em risco a unidade nacional ao atacar os governadores que estão cumprindo com o seu dever de governantes ao protegerem seu povo.

O governo federal, capitaneado por um nazi-fascista enlouquecido, não consegue resolver os dois problemas básicos impostos pela crise:  a manutenção da saúde do povo brasileiro e o planejamento de retorno da economia APÓS A PANDEMIA.

Está demonstrado por estudos inatacáveis que a dívida dos Estados com a União é uma farsa. A que foi repassada aos Estados é nula do ponto de vista tributário. O Governo federal que a pagou tem a mesma base tributária dos Estados. Independentemente de como pagou, se em moeda ou em título, mobilizou um passivo da sociedade, pois moeda e títulos federais são, em última instância, passivos da sociedade inteira, incluindo as bases tributárias estaduais. Se o Governo usou dinheiro de João para pagar uma dívida de João, não pode pagar de novo, usando o caixa de João.

Esse raciocínio é simplíssimo, mas tem sido mal compreendido basicamente porque foi amarrado em categorias fiscais, e não tributárias. Não é novidade. A especialista em dívida Maria Lúcia Fatorelli é extremamente criticada por supostamente “confundir” estoque com fluxo na análise do orçamento brasileiro. Entretanto, ela tem razão. A parte da imensa amortização da dívida registrada como estoque na contabilidade pública na verdade não é estoque: são os juros das operações compromissadas que se referem a parte substancial da dívida pública, exigíveis diariamente pelos bancos que o quiserem, incrementando liquidamente a dívida pública e o passivo total público. Em consequência, os bancos só não transformam estoque da dívida em fluxo se não quiserem; ou se quiserem ganhar ainda mais, como de fato fazem, com a reaplicação desses recursos, aumentando o estoque da dívida.

 Em termos econômicos, a dívida dos Estados acumulada até 2017, com encargos, é da ordem de 540 bilhões; a parte paga, segundo levantamento feito, chega a cerca de 400 bilhões em termos reais; a despeito desses pagamentos. É um acinte para uma dívida tecnicamente nula. Por isso pode-se sustentar que a dívida não apenas deve ser imediatamente anulada, como deve ser reconhecida como nula em sua origem, a fim de que o Governo devolva aos Estados o que foi pago indevidamente desde fins da década de 90, cerca de 1 trilhão 380 bilhões de reais.

Em relação ao outro crédito dos Estados junto à União, não se trata de dívida nula, mas de uma dívida corrente, efetiva, oriunda da Lei Kandir. Essa lei, inventada no Governo Collor, isentou de cobrança de impostos estaduais as exportações de produtos primários e semimanufaturados. Como isso significava tirar dinheiro dos Estados, estabeleceu-se que a União os compensaria pelas isenções. Acontece que não compensou, a não ser em míseros trocados. Como resultado, acumulou-se um crédito legal dos Estados (e Municípios) da ordem de 638 bilhões de reais contra o Governo federal, que ele se recusa a pagar embora impondo uma série de exigências financeiras e exigências correlatas aos Estados para lhes autorizar novos endividamentos. A cobrança, por parte de alguns Estados, foi ajuizada; o STF, com uma surpreendente confissão implícita de nulidade, não decidiu; mandou que as partes se entendessem. E a União reagiu com condicionalidades impostas aos Estados, sobretudo obrigando-os a privatizar entes públicos, inclusive a água.

É o crédito que resulta da dívida nula mais os valores da Lei Kandir que somam 1 trilhão 380 bilhões de reais, configurando o crédito total dos Estados junto ao Governo federal. Esse dinheiro é mais do que suficiente para financiar digna e responsavelmente um programa decente contra o coronavírus e para a recuperação da economia, favorecendo a construção de uma economia de bem-estar social a partir de um New Deal brasileiro. Em lugar disso, Paulo Guedes conseguiu enfiar goela abaixo dos governadores um crédito miserável de 60 bilhões de reais, a ser distribuído por 27 Estados e o Distrito Federal, destinando dele insignificantes 10 bilhões de reais para o programa contra o vírus. É um acinte que isso esteja sendo imposto aos governadores, e uma crueldade contra a sociedade.

Urge que os governadores dos Estados brasileiros retomem, de forma firme e efetiva, a defesa do pacto federativo.  Urge que insistam com os Senadores da República e os Deputados Federais para que uma ação rápida e definitiva coloque o Brasil novamente no rumo da sua história gloriosa de desenvolvimento!

O falso nacionalismo que bate continência para a bandeira de outro país não pode ser mais tolerado no comando supremo de nossas forças armadas, que, desde a luta dos heróis da Batalha de Guararapes, são a guardiã de nosso território e da diversidade de nosso povo! 

A Pátria não é ninguém, somos todos.  E temos o dever de defendê-la contra as aventuras autoritárias de quem quer que seja!

*Organizado pela sociedade civil com participação de parlamentares, sob a coordenação do economista e professor José Carlos de Assis.

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