Ou o que se pode tirar da ligação entre a euforia de um gol e as sapatadas no Bush.
Trinta minutos do segundo tempo, o time está perdendo e há muito o jogador não marca um gol. Surge oportunidade e o jogador – eufórico – arranca a camisa e pula no alambrado.
De repente, o jogador vê que pode ferir gente, e, como que por um segundo, parece querer tirar a bola de dentro do gol. Será que ela era para estar lá?
Cercado por um batalhão midiático, a bola vira coadjuvante. Não houve feridos, ele fez o gol de empate e o jogo – ou seria o show? – tem que continuar.
Mas pra isso a bola precisa sair do gol. É, bem que ela podia ficar sempre lá.
O que essa história, parcialmente real, tem em comum com a do jornalista iraquiano que atirou sapatos em Bush? O momento de impulso. A explosão emocional inconseqüente – tão humana. Atos irresponsáveis? Talvez.
Há que se levar em conta, porém, a possibilidade de o jornalista ter feito de caso pensado ou até a mando de alguém, mas, sinceramente, não creio em nenhuma das duas hipóteses.
E, nesse sentido, há um abismo abissal que separa os dois casos. Uma coisa é pular em cifras, outra é atirar em causas. Além disso, se houve alguma irresponsabilidade, nela o jogador sem saber botou em risco a vida de outros. Já o jornalista imediatamente percebeu que havia sido irresponsável contra sua própria vida.
No entanto, mesmo que, por compartilhar de suas convicções, boa parte do mundo tenha – assim como eu – aplaudido a atitude do jornalista Muntazer al-Zaidi, ainda assim não estou aqui para defender a postura dele. Jornalista tem sim que ter convicções, mas não pode por conta delas atirar sapatos em um presidente, por mais detestável que este seja.
O fato é que, seja qual for a profissão, é fundamental que se busque constantemente o domínio próprio.
Ainda que muita gente fosse achar no mínimo interessante caso, aos 31 do segundo tempo, em plena “volta olímpica”, o jogador levasse uma microfonada de um repórter.
P.S. Quando a emoção está à flor da pele nos vemos aptos a atitudes que no dia-a-dia não ousaríamos, é certo. A pergunta é: será que nesse momento seu instinto (porque é ele que vale nessa hora) vai te levar a piscar números ou a brandir ideais? Como diria Platão, em sua “República”: “O ouro e a virtude são dois pesos no trato de uma balança. De tal modo que um não pode subir sem que desça o outro”.
21 de Março de 2009,
Ana Helena Tavares
Você pula em cifras ou atira em causas? no Recanto das Letras