Onde ficam os direitos humanos?

Texto e fotos: Ana Helena Tavares

Michael, fotógrafo nascido e criado no Complexo do Alemão, chamou a atenção de todos ao dizer: “São realizados incontáveis eventos culturais maravilhosos lá no Complexo, coisas ligadas à literatura, pintura, música, dança, todo tipo de arte, e a mídia não cobre. Só entram lá para registrar violência. Só cobrem tiroteio!” Conseguiu emudecer por alguns segundos um auditório lotado de jornalistas e estudantes de comunicação.

O fotógrafo foi um dos destaques da sexta-feira, 27 de Março de 2009, marcada na Escola de Comunicação da UFRJ, localizada no campus da Praia Vermelha, pelo último dia do seminário internacional “Mídia e Violência”.

Logo após a fala de Michael, ocorrida num dos debates realizados à tarde, a jornalista Oona Castro, do site Overmundo, resolveu intervir, narrando a fala de um jornalista de “O Globo”, que não quis identificar e, que, há alguns anos, teria lhe contado a seguinte história: “Uma vez publicamos uma matéria falando sobre a trajetória de vida de uma pessoa do morro. Nunca recebemos tanta carta com leitores revoltados, dizendo coisas do tipo: ‘Como vocês tratam como ser humano um bandido?!’”

Com base nisso, falou do quanto, infelizmente, o trágico vende:

– Nossa sociedade também é muito reacionária e a mídia espelha o que a sociedade quer, disse a jornalista.

Completou dizendo que um dos grandes empecilhos para se fazer um jornalismo de qualidade no Brasil é que os brasileiros consideram natural tratar comunicação como algo com fins lucrativos.

Algumas horas antes disso, na palestra da manhã, falou Tião Santos, ligado ao movimento Viva Rio e atualmente coordenador do site da rádio comunitária Viva Favela. O radialista começou sua fala bem no tom do que Oona iria dizer à tarde, afirmando acreditar que, já que a sociedade, muitas vezes, só vê o outro como o pior, o feio, seria preciso uma inversão disso para haver um reflexo também na mídia.

Para ele, o ser humano, cada vez mais, disputa o poder por medo. E aí incluiu desde o medo que as pessoas têm de perder a própria identidade, o medo de perder um espaço que se julga conquistado, ao medo de perder um financiamento para aquele projeto dos sonhos. Nesse contexto, fez questão de frisar:

– Governo é uma coisa. Poder é outra.

Contou que nunca desanimou, mesmo nos momentos mais difíceis e que, certa vez, perguntado sobre o porquê de criar um site falando sobre favela, quando sabia que num meio como a internet só a classe média o iria ler, respondeu:

– Eu não sei quem vai acessar ou vai ouvir o que estou falando, mas eu estou falando.

Foi quando teve lugar a fala do jornalista Jorge Antonio Barros, do jornal “O Globo”, contando que, quando começou na grande imprensa, no início da década de 80, o espaço que imediatamente reservaram para ele, por ser negro e formado pela UNISUAM (Universidade localizada na Baixada Fluminense), foi o da reportagem de violência. Mas que, ainda assim, persistiu e hoje em dia pode dizer que gosta de trabalhar na grande imprensa.

– Ainda que isso para mim envolva inúmeras contradições, completou.

Das recordações que ele traz de seu início como jornalista nos anos 80, ele afirmou que, vez por outra, se pega lembrando o quanto, naquela época, as pessoas comuns – leitores dos mais diversos – tinham livre acesso às redações dos grandes jornais e usavam desse acesso. Iam mesmo. Cobravam pautas dos jornalistas, olho no olho, e muitas vezes conseguiam o que queriam. Havia uma proximidade imensamente maior do leitor com o jornalista.

– Hoje as pessoas já quase nem telefonam para as redações, acrescentou.

O mundo mudou e ele, que hoje mantém o blog “Repórter de crime”, contou ainda o quanto foi difícil conseguir um espaço para o blog dele dentro do domínio “globo.com”. E defendeu ferrenhamente o potencial dos blogs. Um potencial que para ele é altíssimo e ainda totalmente mal explorado.

– No blog é possível fazer uma crítica ao poder de uma maneira que não se vê na mídia tradicional, disse enfático.

Sobre sua experiência com blogs, comentou o quanto é difícil educar aqueles a quem ele apelidou de “A turma do mata e esfola” – pessoas que, sem dar a mínima chance ao diálogo, entram no blog dele usando de anonimato, ou nomes falsos, só para defender a violência policial como solução.

– Já consegui salvar algumas almas, brincou. Mas isso é muito complicado.

Depois de mais de vinte anos fazendo reportagens em áreas de risco, disse que não poderia sair dali sem frisar o abandono público em que se encontram as comunidades pobres nas grandes metrópoles brasileiras, como o Rio. Com essa deixa, aproveitou para falar da série “Ilegal e daí?”, do jornal “O Globo”, que, segundo ele, conseguiu dar alguma contribuição para a sociedade. Admitiu, porém, que a expressão “direitos humanos” é algo fora de pauta na grande imprensa.

Depois tentou descontrair:

– Preciso do emprego e acho que já tô falando mais do que devia.

28 de Março de 2009,

Ana Helena Tavares

Link para esta matéria no blog República Vermelha

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Para derrubar o presidente que eu nunca quis ser

– Dedicado ao meu amigo Abílio Mendes, por ser um doido que acha que eu mereço fazer meus rascunhos “em bloquinhos à la Picasso”.

Acordo e abro os jornais ainda a meio olho. De repente, o céu se queda escuro sobre meu único olho aberto e me dá uma vontade incontrolável de voltar ao travesseiro em busca de uma época mais minha.

Quero ser Hélio Fernandes para me libertar pelas grades e não me prender a cifrões. Quero ser Ben Bradlee para proteger rascunhos num bloquinho e ajudar a derrubar o presidente que eu nunca quis ser. Quero ser Robert Fisk para guerrear pela paz tendo como arma o microfone. Quero ser Fausto Wolff, Barbosa Lima, tanta gente, mas, antes, preciso me construir…

Abro o outro olho, pego novamente o jornal e, como que de longe, pareço ouvir citarem Millôr: “Jornalismo é oposição, o resto é armazém de secos e molhados”. Adoram isso, como é cômodo… Logo depois cospem ao mundo previsões catastróficas achando que isso é oferecer algo de útil para a construção da sociedade. Por que não fazer antes uma oposição a si mesmo? Qual a bandeira de quem faz sempre oposição a tudo? Podem dizer: jornalista não tem que ter bandeira… É lindo isso, mas ele tem, ainda que não deva hasteá-la no terraço do seu prédio.

Com os olhos ainda relutantes, o que vejo? O cifrão é o guru que liberta. A expressão “atrás das grades” virou chacota. O prender e o soltar se tornam, de forma cada vez mais visível, lados do ioiô que serve ao sórdido jogo político.

Um jogo regado a muito champagne – fajuto – daqueles para fazer vista… E uma boa dose de microfones e bloquinhos comprados a 1,99 (porque senão quebra a empresa) e vendidos a preço de ouro.

O mesmo jogo para o qual não interessa um presidente como o nosso. Bem que muitos deles queriam ser ele – o admiram – mas, afinal, precisam garantir o sustento. Emprego fixo está difícil, ainda mais para jornalista.

Quem sabe na cobertura de guerra? Mas antes é preciso ver qual lado dá mais… Ou seria qual lado vai explodir primeiro? Que tipo de torcida midiática é essa que em busca de inflar os próprios egos não vê a hora de um verdadeiro apocalipse para dizer: “Nós avisamos!”?

É triste, mas a lei é da oferta e procura. Se o trágico é tão oferecido é porque vende. E muito. Em toda a história da humanidade uma casa em ruínas sempre parou mais olhares do que um campo de girassóis.

O problema todo está em como se oferece o trágico. Para uma cobertura jornalística bem-intencionada, pode ter havido, digamos, uma explosão no botijão de gás da casa e os proprietários, gente humilde, já estão se reestruturando na casa de parentes. Para outro jornalista, pode ter havido um curto circuito na rede elétrica e os proprietários, gente humilde, estão desabrigados sem a devida assistência do governo.

Não é difícil um suicídio se tornar assassinato nas mãos de um editor. Como é fácil jogar números soltos pelas colunas de economia e dizer que aquilo aponta o fim do mundo. Que fim? De que mundo?

São tantas as perguntas que me vêm à mente, mais do que perguntas, inquietações. Por que Ben Bradlee seria demitido da Folha? Podem-se imaginar várias razões, mas a maior delas seria, sem dúvida, a feia mania de seguir seus instintos… Para que jornalista vai ter vontades se o mercado já as tem?

E Robert Fisk, por que não conseguiria trabalhar para a Globo em coberturas de guerra? Talvez porque um belo dia ele fosse preferir não voltar para a redação…

E Hélio Fernandes, por que não seria preso caso escrevesse algum artigo subversivo? Ah, estamos num país democrático… Diz-se de tudo e ouve-se de tudo.

Só falta se lembrarem de fazer oposição a um velho ditado. Notícias também podem ser boas.

05 de Fevereiro de 2009,
Ana Helena Ribeiro Tavares

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P.S. Inquietação final: Por que este texto dificilmente seria publicado na grande imprensa? Porque, além de ser um tanto desconfortável, não dá lucro fazer oposição a si mesmo…

Para derrubar o presidente que eu nunca quis ser no Observatório da Imprensa

Para derrubar o presidente que eu nunca quis ser no Fazendo Media

Para derrubar o presidente que eu nunca quis ser no Recanto das Letras

Para derrubar o presidente que eu nunca quis ser no blog do Patolino

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