Por José Reinaldo Marques, no site da ABI
Em palestra na tarde desta terça-feira, 24 de maio, na sede da ABI, no Centro do Rio, o Embaixador da Líbia no Brasil, Salem Omar Zubeidy, disse que a CIA está por trás das rebeliões que ocorreram no país nos últimos meses. Segundo ele, o primeiro levante, ocorrido no dia 17 de fevereiro, foi planejado com a colaboração da agência de inteligência norte-americana:
— Soubemos que a CIA levou dois meses para agitar essas pessoas (os rebeldes), levá-los às delegacias e aos quartéis para roubar armas pesadas e promover a rebelião contra o sistema. Foi isso o que aconteceu em Benghazi, na parte Leste, onde se encontra a maioria islâmica do país e a maioria dos opositores que moravam nos Estados Unidos e tornaram-se agentes da CIA, disse Salem Omar Zubeidy.
Salem Omar Zubeidy acusou a CIA de financiar algumas páginas na Internet que fazem campanha contra o Governo Kadafi:
— Descobrimos o nome de pessoas de diferentes partes do mundo que recebem financiamento da CIA. No nosso esforço de abertura nacional, para a opinião pública, pensávamos que eram líbios que viviam no exterior e que desejavam apenas uma nova janela de expressão na Líbia, através de um novo plano para futuro, mas descobrimos que trabalhavam para a CIA, afirmou o diplomata.
Disse o embaixador que depois do movimento que levou Kadafi ao poder, em 1969, muitas dessas pessoas que atualmente lutam contra o Governo se transferiram para os Estados Unidos. Segundo ele, membros da Irmandade Islâmica tentaram implantar um regime islâmico na Líbia, para impor ao país normas de acordo com os seus próprios padrões, embora o grupo dirigido por Kadafi tivesse tomado algumas medidas como a proibição do álcool e o fechamento de bares.
Salem Omar Zubeidy afirmou que a Irmandade Islâmica tinha integrantes que pertenciam ao partido de Saddam Hussein:
— Alguns eram do partido de Saddam Hussein, queriam controlar o país. Os comitês revolucionários se tornaram parte do movimento ideológico, mas deixaram a Líbia e retornaram agora para fazer parte da rebelião, declarou o embaixador.
O Embaixador da Líbia fez duras críticas também ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, que na sua opinião deveria ser secundário à Assembléia Geral:
— As decisões deveriam estar concentradas na Assembléia Geral e não no Conselho de Segurança (da ONU), por isso a ONU não estava apta a lidar com a segurança e a paz no mundo, como mostra o assassinato de líderes na África e na América Latina. Nesses casos a ONU nada fez, e isso acontece desde 1945. A organização foi inoperante na prevenção contra guerras, nunca solicitou investigações nos países ocupados, entre outros pontos, declarou Salem Omar Zubeidy,
Ele acha que o Conselho de Segurança da ONU deveria ter a participação de vários Estados nacionais, mas que é dominado por cinco países sob a liderança dos Estados Unidos.
Retrospecto
O Embaixador Salem Omar Zubeidy compareceu à ABI a convite da Comissão de Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da Casa, numa iniciativa articulada pelo Conselheiro Mário Augusto Jakobskind. No início da sua palestra (realizada em inglês, com o auxílio de uma intérprete, porque o embaixador alegou dificuldade para se expressar em português) ele agradeceu a oportunidade de “poder conversar com um segmento do povo brasileiro, e, particularmente, os progressistas da imprensa” (referindo-se à ABI).
Antes de entrar em detalhes sobre os últimos acontecimentos que vêm ocorrendo na Líbia, Zubeidy fez um retrospecto histórico sobre o seu país, localizado no Norte da África:
— A Líbia é um lugar que fica no centro das civilizações, conectando a Ásia à América Latina e a Europa à África. Portanto, sempre foi um objeto de invasões de diferentes civilizações, que acabaram enriquecendo a nossa cultura, disse o embaixador.
Mas Zubeidy fez questão de ressaltar que as relações com os estrangeiros nem sempre foram amistosas. Segundo ele, devido à importância da Líbia no continente africano, os invasores queriam usar o país como fornecedor de recursos. “Isso vinha acontecendo desde os fenícios, continuou com os romanos, turcos, espanhóis e os italianos”, disse o embaixador.
De acordo com o Embaixador Salem Omar Zubeidy uma das lutas mais difíceis travadas pela Líbia contra a colonização italiana, que durou 132 anos. Disse o convidado que ao final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) o país tornou-se protetorado dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha. Em 1951, a Organização das Nações Unidas (ONU) incentivou o país a tornar-se independente. A independência foi alcançada em 24 de dezembro daquele ano, um reino foi constituído e o trono foi assumido pelo Rei Idris I.
Idris I governou a Líbia até 1º de setembro de 1969, quando foi derrubado pela revolução liderada por Muamar Kadafi. Segundo o Embaixador Salem Omar Zubeidy, o reinado de Idris foi desastroso para o país e causou muita insatisfação em vários segmentos da população:
— Ele concedeu cinco bases militares aos Estados Unidos, três à Grã-Bretanha na parte leste e permitiu que mais de meio milhão de italianos radicarem-se na Líbia. O seu sistema de Governo era corrupto, as decisões políticas eram tomadas fora do país, pelos italianos que tinham líbios trabalhando para eles em suas fazendas. Isso causou muita insatisfação, afirmou Salem Omar Zubeidy.
Contrariando a teoria da Oposição e dos observadores internacionais, Salem Omar Zubeidy disse que no sistema de Governo de Muamar Kadafi, que completou 42 anos no poder, “toda a autoridade legislativa e executiva repousa nas mãos do povo”:
— Politicamente, desde 1977, o país é controlado pelo povo líbio, por meio das Assembléias populares que tomam as decisões legislativas e os Comitês Populares, que são selecionados livremente pela população. São esses organismos que levam a cabo as decisões de organizações de base, em níveis local, regional e nacional, afirmou o embaixador.
De acordo com Salem Omar Zubeidy, um ano depois do golpe todas as forças estrangeiras foram expulsas da Líbia. Ele disse que a economia do país tinha o monopólio dos italianos, mas que a “revolução” nacionalizou os bancos e as empresas estrangeiras, principalmente aquelas ligadas à indústria do petróleo.
Disse o embaixador que a luta pela libertação da Líbia significava também que os países árabes teriam que ser libertados assim como os Estados africanos, de maneira a assegurar apoio aos movimentos de libertação em todo o mundo, a exemplo do que aconteceu na própria África, na Ásia e no Leste europeu.
De acordo com Zubeidy, “a senha para a revolução era Jerusalém”, e por isso tratava-se de uma revolução nacionalista internacional. Isso levou a Líbia a financiar o movimento palestino com verbas e treinamento até que eles decidiram conversar de paz com Israel, que o Governo líbio se recusa a reconhecer como um Estado nacional:
— Não pelo fato de serem judeus, mas porque consideramos um Estado racista que está invadindo parte dos países árabes. Apesar de os palestinos estarem conversando com Israel que ainda está bombardeando casas na Palestina. Não existe nenhuma intenção de paz, afirmou Zubeidy.
Armas e cooperação
Salem Omar Zubeidy tocou em um ponto que tem sido motivo de preocupação das principais nações do Ocidente: os programas de armas de destruição em massa. Disse que o Governo líbio chegou à conclusão de que esse tipo de armamento não pode ser utilizado, por isso a Líbia deixou de dar ajuda a programas desse gênero. O motivo teria sido o medo de Kadafi de ter o mesmo destino de Saddam Hussein. Então, desde 1988, o país não faz mais esse tido de investimento, segundo o embaixador:
— A decisão de abandonar os programas de armamentos foi baseada na cooperação com o Ocidente. Em troca eles nos dariam energia para fins pacíficos e ajuda em projetos econômicos. Além dos programas de cooperação com outros países africanos, assinamos vários acordos com o Ocidente, Oriente e América Latina, incluindo o Brasil, por meio da Petrobras e das construtoras Odebrecht e Queiroz Galvão, declarou Zubeidy.
Essa iniciativa de abertura de diálogo foi lucrativa para a Líbia, que passou a fazer parte da comunidade internacional, alcançando investimentos na área de infraestrutura no valor de US$ 400 milhões. Mas o embaixador reclama que mesmo a Líbia tendo desistido dos programas de armamentos, permitido a entrada no país de delegações de investidores estrangeiros e promovendo a liberdade de expressão, “o mundo ocidental inventou um novo motivo para a atacar o país, porque expulsamos as bases estrangeiras do nosso território”.
Esse foi o motivo que levou Kadafi a criticar a ONU “por não estar fazendo o seu trabalho”. Segundo o embaixador o Governo da Líbia reiterou suas críticas às Nações Unidas concentrando em um ponto: a cooperação Sul-Sul, que para os líbios deveria ser tão forte quanto a do Norte:
— Ao propor o uso de recursos para esse desenvolvimento, Kadafi não estava se confrontando com a Otan. Ele propôs uma cooperação em relação à segurança e à paz no Sul. No ano passado promovemos mais de três cúpulas na Líbia nesse sentido. Uma entre os países árabes, um encontro da Europa com a África e a cúpula com os países asiáticos, afirmou Zubeidy.
Salem Omar Zubeidy adiantou que em setembro de 2011 haverá uma cúpula da África com a América do Sul na Líbia. Ele disse também que uma das propostas do seu país é a formação dos Estados Unidos da África, que seria um órgão dedicado a cuidar dos assuntos externos de interesse dos países do continente, com a criação de um Banco Central e uma moeda única, além de uma força militar própria para cuidar da defesa:
— Na última cúpula da União Africana, Kadafi já se manifestava em favor da criação dos Estados Unidos da África, visando a melhorar a competição com outros hemisférios. Uma vez que esse tipo de Governo venha a se tornar mais competitivo com os Estados Unidos, eles teriam menor poder político, disse o embaixador.
Al-Jazeera
Segundo Zubeidy, as críticas manifestadas por Kadafi na ONU contribuíram para que se “reinventasse” o ódio contra ele. Citando as rebeliões deflagradas na Tunísia e no Egito, o embaixador disse que os levantes semelhantes que ocorreram depois na Líbia são fruto de uma conspiração:
— Não sabíamos que as intenções com relação a nós eram piores do que na Tunísia e no Egito. Foi uma conspiração iniciada em 2009, depois do discurso de Kadafi na ONU cujo motivo é calar o seu sistema, disse o diplomata.
Zubeidy disse que não se pode comparar as motivações das rebeliões que ocorreram na Tunísia e no Egito com o que vem acontecendo a Líbia. As populações desses países não têm sido atendidas nas suas necessidades básicas, e por isso estão lutando por melhores condições de vida:
— O Governo não trabalhava pela melhoria. Na Líbia é diferente: as condições são melhores e os padrões de vida da população são mais altos. Basta olhar os índices econômicos internacionais e comparar com os da Líbia que são considerados os melhores da África e do mundo árabe. Incluindo que a saúde e a educação são gratuitas. Os líbios estão orgulhosos do seu país, disse o embaixador.
Para Zubeidy a rebelião que eclodiu na Líbia é diferente das que vêm sendo realizadas no Norte da África e no Oriente Médio. E novamente acusou a CIA de ter-se aproveitado da realização de uma manifestação pacífica na cidade de Benghazi, em frente ao Consulado italiano, para insuflar os manifestantes, em um triste episódio que contou com a participação de atiradores de elite que dispararam contra as pessoas.
Na opinião do embaixador Salem Omar Zubeidy a Líbia está enfrentando duas guerras: uma na mídia e a outra com a rebelião. Ele acusa a rede de televisão Al Jazeera de estar por trás de um desses conflitos:
— A guerra da mídia é capitaneada pela Al Jazeera e começou desde o início a enviar notícias falsas e fabricação de dados e imagem indicando que o Exército líbio estava matando pessoas em Benghazi. Diziam que se o Conselho de Segurança da ONU não interviesse os líbios seriam dizimados. Essa guerra da mídia não é sem propósito, foi parte de uma conspiração porque a Liga Árabe, através do Catar e Emirados, origem da Al Jazeera, foi constituída para estabelecer desunião entre árabes e israelitas, afirmou Salem Omar Zubeidy.
Para Zubeidy o principal objetivo dessa estratégia é pressionar a Líbia. Ele disse também que os príncipes do Golfo Pérsico são “fantoches dos americanos que tornaram-se parte da conspiração”, que começou com a Al Jazeera e contaminou a mídia ocidental, que passou a reproduzir as informações que eram passadas pelo canal de TV.
Ataques
Referindo-se aos conflitos armados na cidade de Benghazi, o embaixador líbio disse que havia um acordo para que fosse evitado um massacre de líbios na parte Leste do país, e que caberia ao Conselho de Segurança da ONU estabelecer uma zona de exclusão aérea. Segundo Zubeidy, esse acordo não foi cumprido. Caberia à Liga Árabe tenter soluções pacíficas para o conflito, caso isso não funcionasse ela deveria recorrer à União Africana e outras organizações da região para ajudá-la nesse sentido.
Disse o diplomata que no caso da Líbia, diferentemente do Iêmem e do Bahrein, onde, primeiramente, foram tentadas negociações e meios pacíficos, o Secretário Geral da Liga Árabe, influenciado pelos xeiques do Golfo, sem o voto da maioria, recorreu ao Conselho de Segurança da ONU, afirmou:
— O Conselho não enviou um representante para fazer a devida verificação do que estava acontecendo, porque o representante da Liga Árabe era parte da conspiração na ONU. Ele dizia que o povo no seu país estava sendo assassinado. Então o Conselho da ONU decidiu pensando que as pessoas estavam sendo eliminadas, afirmou Zubeidy.
Ele acrescentou que a Líbia não pode recorrer porque um representante da Líbia votou pela implantação da medida.
O embaixador negou que os aviões líbios tenham feito ataques a alvos civis em Benghazi, afirmando que as acusações e os fundamentos das resoluções da ONU que foram adotados são falsos.
Zubeidy disse que é responsabilidade do Estado manter a ordem no país, e mais uma vez falou que a rebelião é uma conspiração. Como prova, ele disse que o Governo da Líbia descobriu há uma semana o envio aos rebeldes de armamentos militares vindos do exterior:
— Os rebeldes invadiram as cidades onde estão as refinarias de petróleo, os portos e as regiões do Oeste da Líbia. Quando descobrimos a conspiração queríamos libertar essas cidades, declarou.
Voltou a atacar a mídia, dizendo que infelizmente esses fatos não são mostrados pelos veículos internacionais, inclusive reclamou da postura de alguns jornais brasileiros:
— Em Brasília eu leio o Correio Braziliense todos os dias e desde o assassinato do filho de Kadafi e de sua família a imprensa ocidental não escreveu nada sobre a Líbia, pelos menos o Correio não o fez. Os fatos só estão sendo noticiados pela BBC e pela Russian Today, mas o resto não tem interesse nisso. O que inicialmente começou como uma zona de exclusão aérea é agora um bombardeio de dia e de noite da Líbia. Houve inclusive uma tentativa de assassinato do irmão do Kadafi para promover o controle do país e do Mediterrâneo, declarou Zubeidy.
O diplomata disse que como saída para a solução do conflito o Governo líbio espera contar com um acordo que seja costurado pela União Africana do qual façam parte a União Européia, ONU e a Rússia:
— Não aceitamos imposições do Conselho de Segurança da ONU, mas se houver pressão eles terão que ceder. Querem o Kadafi fora do país, mas o líder não sairá porque não fez nada de errado e ninguém tem autoridade para ditar-lhe a saída. São os líbios que devem decidir qual é o sistema que deve vigorar na Líbia, declarou Zubeidy.