Cabelo fixo a Gardel – Com vocês, JK

Seresteiro, namorador, bom de papo, de mesa e copo, o presidente é bossa-nova sem receios e se aproxima do perfil do latino sedutor com ares civilizados de estadista. Pé-de-valsa, roupa recortada, cabelo fixo a Gardel com pasta Gumex, JK é popular sem perder o porte. Passa do banquete ao rega-bofe sem cerimônia. Seu gosto pessoal tem a marca do ecletismo. Do arroz carreteiro ao cerimonial sem sobressaltos. Era novo no país um político natural, sem a menor afetação ao falar, que desfilava informalidade sem forçar a barra. Era porque era.

Por Ana Helena Tavares

O HOMEM JK

De Diamantina para o mundo

Nascido em Diamantina, Minas Gerais, no dia 12 de Setembro de 1902, Juscelino Kubitschek de Oliveira foi um dos mais importantes políticos brasileiros. Formado em medicina pela Universidade de Minas Gerais, antes da presidência, JK foi prefeito de Belo Horizonte, governador de Minas Gerais e deputado federal.

O estilo JK

O estilo conciliador despertava inveja. Até os adversários admitiam: bastava conhecer sua simpatia para baixar a guarda.
JK em si, com seu jeitão, sinaliza uma postura de comportamento e cultura: concentra imagem da cordialidade e “boa gente” nacional. Seresteiro, namorador, bom de papo, de mesa e copo, o presidente é bossa-nova sem receios e se aproxima do perfil do latino sedutor com ares civilizados de estadista. Pé-de-valsa, roupa recortada, cabelo fixo a Gardel com pasta Gumex, JK é popular sem perder o porte. Passa do banquete ao rega-bofe sem cerimônia. Seu gosto pessoal tem a marca do ecletismo. Do arroz carreteiro ao cerimonial sem sobressaltos. Era novo no país um político natural, sem a menor afetação ao falar, que desfilava informalidade sem forçar a barra. Era porque era.
Seu próprio repertório é direto, logo moderno. O Conjunto da Pampulha, criada entre 42 e 44, quando JK era prefeito de Belo Horizonte, marca o seu encontro com Niemeyer e funda os antecedentes de Brasília.

Exílio e morte

Depois do Golpe de 64, JK tem seus direitos políticos cassados, sendo obrigado a exilar-se em 66. Clandestino na cidade que criou, recusado pela ABL, submetido a interrogatórios ridículos, sua morte em 22 de agosto de 1976, esmagado num Opala 70, no Km 165 da Presidente Dutra, revela a dramaticidade de uma infeliz coincidência: morre em acidente automobilístico – a indústria que mais impulsionou.

CONTEXTO HISTÓRICO – A ÉPOCA JK

“Traduzo esse tempo como a fome de reinventar e fundar uma luminosa, fraterna e mestiça idéia de Brasil.”
(Darcy Ribeiro)

JK e os anos dourados

Os quatro anos de Juscelino Kubitschek na presidência foram anos excepcionais para a construção de uma nova identidade nacional. O carisma de JK contribuiu para a explosão cultural no início dos anos 60.
No período de seu governo, o Brasil viveu o surgimento da Bossa-Nova e do Cinema Novo, além da vitória do escrete canarinho na Copa de 58.
Nenhum período histórico explode por acidente. Uma série de movimentos, tendências, modismos, comportamentos e personalidades tomavam forma desde o início dos anos 50 e passaram pelo governo JK nutridos pelo excepcional momento de criação pelo qual passava o país. Seu governo adotou prioridades estruturais e a cultura não foi meta explícita, como política pública. No entanto, ocorreu uma extraordinária virada na auto-estima nacional.
Os sinais de mudanças e ritos de passagem para o mundo urbano e industrial criaram uma aura de celebração do progresso e entusiasmo em diversos níveis. Esse contexto viria a contagiar pessoas, grupos e experimentos estéticos que fossem tradutores desse “novo Brasil”.
Se JK não interrompia processos, nem tinha uma política específica e direta para linhas culturais, no mínimo alimentava o imaginário nacional com diversos signos. O clima geral de invenção contagiava o agito institucional e pessoal dos artistas, pensadores e organismos. Foi como um lapso emocional na carga pesada das seculares dependências e misérias brasileiras.
Tais processos culturais, ricos em contestação, invenção e ousadia, viriam a ser interrompidos pela repressão e diluídos pelo mercado na época da ditadura.

Um sonho chamado Brasília

Brasília foi classificada por JK como meta síntese. E nela residiu seu momento mais inspirado. Criava sob Brasília alguns fundamentos de que havia um sertão a ser digerido ou devorado. Realizava-se, com a nova capital, a expressão mais estética e científica no avanço do urbanismo e da arquitetura.
Um povo se fazia reconhecer enquanto construía algo um pouco abstrato nos monumentos e conceitos, mas concreto no sentido de que significava uma vida melhor, revolucionária da miséria em que viviam. Ao menos naquele momento, Brasília determinou a essência de um entendimento do Brasil reposicionado no mundo.

CONTEXTO POLÍTICO – O GOVERNO JK – “50 ANOS EM 5”

“Deste Planalto Central, desta solidão que em breve se transformará em cérebro das mais altas decisões nacionais, lanço os olhos mais uma vez sobre o amanhã de meu país e antevejo esta alvorada, com fé inquebrantável e uma confiança sem limites em seu grande destino”
(Juscelino Kubitschek, 2 de outubro de 56)

Conjuntura nacional

A eleição do mineiro Juscelino Kubitschek de Oliveira e de seu vice, o gaúcho João Goulart, representantes da coligação PSD – PTB, marcou um período de graves incidentes institucionais que revelavam a fragilidade institucional de um regime político que, nos momentos de crise, se via obrigado a apelar e acatar o supremo arbítrio dos militares.
JK e Jango derrotaram nas urnas os candidatos Juarez Távora (UDN), Ademar de Barros (PSP) e o ex-dirigente fascista Plínio Salgado.
A oposição udenista encabeçada por Carlos Lacerda não aceitou o resultado e tentou impedir a posse, através de um golpe de força.
Tentou primeiro no congresso impugnar a eleição sob o argumento de que tinham vencido sem maioria absoluta. A constituição da época, no entanto, não pregava esse critério como definidor do pleito.
A situação institucional agravou-se quando o vice empossado após o suicídio de Getúlio Vargas, Café Filho, teve que renunciar por motivos de doença. Assumiu o posto o presidente da Câmara, Carlos Luz, defensor das idéias de Lacerda e contrário à posse de JK.
A ação foi impedida pelo Marechal Lott, ex-ministro de guerra, que defendia o processo eleitoral e a via constitucional. Em Novembro, Luz foi deposto. O Congresso entregou o poder a Nereu Ramos, vice-presidente do Senado.
Com o apoio de Lott, Ramos governou até janeiro de 1956, quando entregou o cargo a JK. Estava agora no poder o principal idealizador do modelo nacional-desenvolvimentista.

Habilidade política

JK promoveu o desenvolvimento e a modernização do país, infundindo no povo brasileiro um otimismo contagiante.
Político de extrema habilidade, JK foi capaz, logo que tomou posse, de conciliar grupo divergentes que ameaçavam seu futuro. Adquiriu a fama do presidente sempre disposto a perdoar.
De imediato, lançou um Plano de Metas com 5 grandes objetivos: energia, transportes, alimentação, indústria de base e educação. Das 30 propostas do plano, apenas as relacionadas à educação e à agricultura não foram cumpridas. Para financiar seu plano, jogou todos os custos para o governo seguinte, podendo, assim, rejeitar o empréstimo do FMI (Fundo Monetário Internacional) e evitar uma reforma cambial.
As condições impostas pelo fundo para firmar o acordo de US$ 200 milhões desagradaram ao presidente, que seria obrigado a conter a inflação em 6%, reduzir salários, abolir o incentivo à agricultura e, o que era pior, retardar a construção de Brasília. Nada foi assinado.
No âmbito internacional, teve o mérito de criar a Operação Pan-americana, cuja principal finalidade era despertar as esperanças e energias dos povos americanos, principalmente da América Latina, com o objetivo comum de combate ao subdesenvolvimento.

Expansão industrial


Sua gestão foi marcada pela participação extensiva do capital estrangeiro na economia brasileira. É o período de forte expansão industrial (na foto, JK discursa durante a inauguração da Ford). Durante seu governo, a produção industrial cresceu 80% e a taxa real de crescimento atingiu 7% ao ano.

O fantasma da inflação

Paralelamente ao desenvolvimento industrial, JK recorreu várias vezes à emissão de dinheiro, jogando o país numa inflação crescente. Essa medida, que visava atender às reivindicações salariais e às solicitações de crédito, jogou o país em índices inflacionários nunca vistos.

Nos braços do povo

Com a visão do estadista que pensa nas gerações futuras e a paciência do político, JK chegou ao fim de seu mandato consagrado pelo povo, consagração que o acompanhou até sua morte e dura até hoje.

Obs: Este texto em que traço o perfil de JK, de sua época e de seu governo é fruto de uma vasta pesquisa que desenvolvi sobre o assunto. Publico hoje aqui ainda a tempo de lembrar os 33 anos de sua morte, completados no último dia 22.

27 de Agosto de 2009,

Ana Helena Tavares

Leia também de minha autoria: “O dom de irradiar esperança – JK, Lula e a imprensa

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O dom de irradiar esperança – JK, Lula e a imprensa

– Não posso deixar de dedicar este artigo, com esta temática política tão especial, ao meu mestre e amigo Gilson Caroni Filho. Assim, faço jus a quem irradiou em mim o gosto por analisar a mídia e o encantamento pelas ciências políticas.

Inúmeras já foram as vezes que Lula se comparou a JK. “Não acredito em quem não tem objetivos, não tem projetos, não sonha alto. Eu acredito em gente como Juscelino”, declarou Lula a Claudio Bojunga para o livro “JK – O Artista do Impossível”.

Incontáveis são as vezes que Lula é atacado por conta desta comparação. “Quando vejo o Lula se comparar com Deus, todo poderoso, não me importo. Quando o vejo se comparar a Getúlio Vargas, também não dou muita importância. Mas eu realmente saio do sério quando vejo o apedeuta (ignorante, pessoa sem instrução) querer se comparar ao JK.”, já chegaram a dizer em um dos milhões de blogs espalhados pela rede. Ora, por que esta comparação tira tanta gente do sério? Será então porque JK era médico e Lula largou cedo os estudos regulares? Francamente! Como são apedeutas os que pensam assim! Principalmente aqueles que gostam de se colocar na posição de “deuses”, acima dos “meros mortais”, usando palavras como “apedeuta” e achando que é isso que vai mostrar alguma coisa nessa vida. Senão vejamos… Os EUA que o digam… George Bush ostenta diploma de historiador (vejam isso…) e Abraham Lincoln (considerado um dos maiores presidentes dos EUA) jamais cursou escolas regulares. Será que restam dúvidas de que não é isso que influencia?

Que a ascensão à presidência de uma pessoa como Lula incomoda a muitos, nós sabemos. Só o fato de aquele retirante estar lá no Planalto já enfurece muita gente, é de se entender que fiquem mais enfurecidos ainda quando aquele ousado retirante se compara ao “Dr. JK”. Só que JK ganhou a simpatia da história não porque se achava um “Dr.”, mas pelas vezes que sentou-se numa roda de violão cantando que o “peixe vivo não pode viver fora da água fria”. Explico-me: talvez ele não tenha sido uma figura de grande carisma em sua época, haja visto que foi certamente um dos presidentes mais surrados pela imprensa e é óbvio que isso levava uma fatia da opinião pública a atacá-lo também. Mas a história o acolheu, não só por todas as realizações de seu governo, mas acredito até que principalmente pela fantástica figura humana que ele era. Títulos como o de “Presidente Bossa Nova” não me deixam mentir. Fenômeno semelhante ocorre com Lula. Possivelmente, entre as classes mais baixas, Lula tenha um apelo carismático bem maior que o de JK, mas, de um modo geral, ele representa uma “bossa (coisa) nova”. Novidade boa pra quem pensa no futuro do país. Ameaça pras elites conservadoras e antiquadas. Assim era JK. Assim é Lula. Figuras humanas com o dom de irradiar esperança por onde passam. E isso dói nos olhos mais amargos.

Em 2008, durante comemoração pelos 106 anos de JK (caso estivesse vivo), Lula afirmou: “A história, como Deus escreve certo por linhas tortas, precisou de algumas décadas para fazer Justiça ao que representou Kubitschek para o nosso país”. Como aconteceu com JK, restará à história o papel de relatar com fidelidade todos os avanços do governo Lula. E não tenho dúvida de que ela o fará. Isso porque a imprensa que, como me disse em entrevista o jornalista Alberto Dines, deveria ser sinônimo de “história instantânea”, infelizmente, tem jogado no lixo essa nobre função. Curioso e interessante contar que, pouco depois do encerramento de seu mandato como presidente da República, na noite de 21 de janeiro de 1961, JK foi recebido com toda pompa e circunstância na sede da ABI por aquela mesma imprensa que havia passado cinco anos bombardeando seu governo e seu caráter e que, naquela ocasião, oferecia em sua homenagem um farto banquete. Na “Revista Brasileira de História” há um vasto estudo sobre o assunto, realizado pela cientista política Flávia Biroli, intitulado “Liberdade de Imprensa: margens e definições para a democracia durante o governo de JK”. No estudo, verificamos que era uma relação problemática, porém, pacífica. Ou seja, se a imprensa criticava de forma tão dura é porque tinha liberdade pra isso. O título de uma das matérias que, na época, cobriu o evento ao qual JK foi à ABI dizia: “O adeus com mágoa de JK”. Ao mesmo tempo, porém, naquele final de governo, os jornalistas pareciam profundamente agradecidos por aqueles anos de liberdade. Sentimento resumido nas palavras de Herbert Moses, então presidente da ABI, que fez mea-culpa, assumindo excessos, exageros e injustiças da imprensa: “O governo Kubitschek não foi apenas um período de trabalho intenso, de dinamismo administrativo, de desenvolvimento apaixonado: foi também o governo em que a imprensa pôde usar mais livremente os seus direitos. A imprensa opinou livremente, informou livremente, criticou livremente. Muitas críticas teriam sido exageradas, muitas excessivas, muitas injustas, com certeza. Mas exageradas ou excessivas ou injustas, puderam ser formuladas, tiveram livre curso, não tiveram sanções.” Fico imaginando um banquete desses, ao final do governo Lula, e acho que, de ambos os lados, os sentimentos não se fariam diferentes. Lula tem uma centena de motivos totalmente palpáveis pra se dizer magoado com a imprensa. A imprensa, por sua vez, não tem um motivo sequer pra reclamar de Lula quanto a qualquer tipo de censura. Seria no mínimo interessante um banquete desses reunindo Civitas, Frias e Marinhos… Haja mea-culpa!

O grande mérito de quem é ofendido está em não perder a cabeça. Temos aí mais um ponto em comum entre os dois presidentes. Certa vez, Lula disse: “Poucos políticos foram tão achincalhados, tão agredidos verbalmente, tão ofendidos como Juscelino Kubitschek. Entretanto, esse homem nunca levantou a voz nem perdeu a responsabilidade com o país.” Quem não enxerga a responsabilidade de Lula com o Brasil, que o julga um aventureiro, oportunista, ou coisas do tipo, só pode ser cego. “Devemos seguir o exemplo de Juscelino Kubitschek, que soube transformar seus sonhos em conquistas e benefícios para o Brasil.”, disse Lula em almoço oferecido ao primeiro-ministro da República Tcheca, em Março de 2006. Essas não são palavras ao vento. O espírito empreendedor de JK está sim presente no presidente Lula. Transformar sonhos em realidade faz parte de sua história de vida. É claro que com o seu governo não iria ser diferente.

Eu poderia listar aqui todo o sem número de avanços do governo Lula e comentar cada um deles, mas não é essa a proposta. Em meados do ano passado, ao comentar um deles, Lula, mais uma vez, lembrou-se de JK: “Juscelino Kubitschek, lá de cima, estará rindo pelo que está acontecendo com a indústria naval brasileira.” Arrisco-me a dizer que ele está rindo à toa desde janeiro de 2003.

Não vivemos no país dos sonhos? É claro que não! Mas a enorme confiança que Lula gerou no povo, apesar de a imprensa não cumprir satisfatoriamente seu papel de bem informar, além de tornar visíveis as inúmeras realizações de seu governo, mostra que nenhum outro presidente representou tão bem quanto ele um dos lemas que JK repetia com mais fervor: “Política para mim é esperança”.

Por isso, se eu pudesse falar com Lula, diria: Eu também “não acredito em quem não tem objetivos, não tem projetos, não sonha alto.” Eu acredito em gente como você!

11 de Junho de 2009,
Ana Helena Tavares

P.S. Herbert Moses dizia-se agradecido por aqueles anos em que o governo não havia censurado nenhuma das tantas críticas tão negativas feitas pela imprensa. Muitas injustas, como ele próprio assumiu, tecendo suas desculpas públicas a JK. O problema é quando, na hora de elogiar, a grande imprensa, vendida a interesses mesquinhos, censura-se a si mesma. Periga ter que pedir desculpas à liberdade sem a qual ela não vive e a qual ela própria tolhe. Aí é crise de identidade. Talvez já acontecesse também naquela época…

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