Mal-agradecida, Folha ataca novela do SBT

Por Eduardo Guimarães Essa Folha… Quanta ingratidão. Deveria agradecer a Silvio Santos por esconder os crimes da imprensa golpista. Em vez disso, ataca o benfeitor com críticas que presumem que o leitor é tão idiota quanto o seu improvisado crítico-pistoleiro de plantão.

Por Eduardo Guimarães – Blog da Cidadania

A Folha de São Paulo ficou enfurecida com o relato real de torturado que a novela Amor e Revolução levou ao ar ao fim do seu capítulo da última quinta-feira. Foi por isso que o jornal pôs, neste domingo, seu colunista-bombril, Fernando de Barros e Silva, para atacar a produção do SBT.

O relato que enfureceu o jornal paulista foi o de Rose Nogueira, que, sorvendo uma doce vingança, citou a Folha da Tarde ao descrever as sevícias que sofreu nas mãos da ditadura. Quem é Rose Nogueira? Ah, ela tem uma história com o Grupo Folha…

Antes de tratar do disparo que a Folha fez no que viu e que errou, porque pegou no que não viu, relembremos quem é Rose. Ela foi presa em São Paulo em 1969 e solta em 1970. Era jornalista da Folha da Tarde – jornal antecessor da Folha de São Paulo, também de propriedade da família Frias – e foi militante da Ação Libertadora Nacional (ALN).

Antes de prosseguir, peço que o leitor assista, abaixo, ao depoimento que Rose deu ao SBT para ser exibido em sua novela. Atente para o fato de que ela põe ênfase no nome da Folha da Tarde, citando-a duas vezes. Em seguida, continuo.

Se o prezado leitor já se recuperou do choque que relato tão duro causa, vejamos por que Rose cita a Folha. E será melhor usar as próprias palavras da depoente para explicar o que tem o seu antigo empregador que ver com o que ela passou na ditadura:

Ao buscar, agora, nos arquivos da Folha de S. Paulo a minha ficha funcional, descubro que, em 9 de dezembro de 1969, quando estava presa no DEOPS, incomunicável, “abandonei” meu emprego de repórter do jornal. Escrito à mão, no alto: ABANDONO. E uma observação oficial: Dispensada de acordo com o artigo 482 – letra ‘i’ da CLT – abandono de emprego”.

Por que essa data, 9 de dezembro? Ela coincide exatamente com esse período mais negro, já que eles me “esqueceram” por um mês na cela.

Como é que eu poderia abandonar o emprego, mesmo que quisesse? Todos sabiam que eu estava lá, a alguns quarteirões, no prédio vermelho da praça General Osório. Isso era e continua sendo ilegal em relação às leis trabalhistas e a qualquer outra lei, mesmo na ditadura dos decretos secretos. Além do mais, nesse período, caso estivesse trabalhando, eu estaria em licença-maternidade.

Não sabíamos disso. Nem eu nem Cláudio Abramo, que tentou interferir para me reconduzir ao trabalho na saída da prisão, sem sucesso. Imagino que ninguém da empresa, atualmente, deva saber ou se interessar por esse assunto. A culpa não é deles. Não sei se isso mudou a minha história, a minha vida. Estou viva.

Pois é… Duro, não?

Enfim, mas a questão é que a Folha não gostou. Apesar de, durante as comemorações dos seus 90 anos, o jornal da ditadura ter reconhecido a parte legal de sua atuação pró regime militar, há partes que os Frias não aceitam discutir porque depõem contra a memória do patriarca da família, hoje na terra dos pés juntos.

Vamos, pois, ao ataque do poodle mais feroz do Otavinho à novela do zangado Senor Abravanel, que não gostou nada, nada de a mídia tê-lo exposto no caso do Banco Panamericano com o Fundo Garantidor. E, em seguida, o que penso do que escreveu.

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FOLHA DE SÃO PAULO

10 de abril de 2011

Aposta do SBT não vale como ficção nem como documento

Enredo confunde dados históricos e direção remete a dramalhão mexicano


NA NOVELA COM INTENÇÕES EDIFICANTES, ADULAR A PRESIDENTE PARECE MAIS IMPORTANTE QUE ESCLARECER AS MASSAS



FERNANDO DE BARROS E SILVA
COLUNISTA DA FOLHA

Líder estudantil delicada e idealista, filha de pais comunistas, Maria Paixão (Graziela Schmitt) é a heroína da trama. Seu par romântico é José Guerra (Claudio Lins), jovem major fiel aos ideais democráticos, filho do general Lobo Guerra, da linha dura do Exército. “Maria” e “José”, “Paixão” e “Guerra” -isto é “Amor e Revolução”, novela sobre a luta armada que estreou na terça, no SBT.

Mais do que maniqueísta, tudo é muito primário. O principal vilão, supostamente inspirado na figura de Sérgio Paranhos Fleury, o chefe torturador do Dops (a polícia política da ditadura), se chama Delegado Aranha (Jayme Periard). Seu assistente no porão da tortura é o inspetor Fritz (Enando Tiago).

O assunto é sério, o SBT criou enorme expectativa em torno da novela, mas o resultado é uma piada.

As novelas da Globo, que nos servem de referência, também são ruins. Em “Passione”, para citar um exemplo recente, havia uma mixórdia de gêneros -o pastelão farsesco, a trama policialesca, o drama social, o folhetim romântico- convivendo num mesmo enredo, obviamente desprovido de qualquer unidade dramatúrgica.

Esse Frankenstein estilístico é uma aspiração deliberada da novela global, uma fórmula com que a emissora busca atender às demandas de um público heterogêneo, que ela trata de massificar diante da tela.

“Amor e Revolução” é ruim em outro sentido. O SBT quis fazer um banquete, mas não domina a receita do suflê. Tudo é tecnicamente precário, mas não exatamente “pobre”. Temos uma superprodução “trash” -ou, talvez, uma “supertrash” produção.

A direção de atores nos remete àqueles dramalhões mexicanos. Os diálogos são postiços, ginasianos e involuntariamente cômicos -uma mistura de CPC (os centros culturais do catecismo socialista dos anos 60) com “A Praça É Nossa”.

Eis um exemplo: um casal de guerrilheiros veteranos está num sítio idílico, à beira da cachoeira. Jandira (Lúcia Veríssimo) se vira para Batistelli (Licurgo Spinola) e pergunta: “Você me trouxe aqui para fazer amor ou fazer a revolução?”. E ele: “Os dois. O amor cria tudo, a revolução muda tudo”. Os dois então se amam nas águas, na mesma toada da novela “Pantanal”.

Não é só. Falta a “Amor e Revolução” aquele mínimo de verossimilhança que a ficção com pretensões históricas deveria ter. A novela começa com uma chacina de estudantes que articulavam a guerrilha numa chácara. Os assassinos são Lobo, Aranha e sua turma. Mas tudo isso se passa antes do golpe de 31 de março de 1964.

Não havia, então, guerrilha no Brasil. A tortura contra adversários da ditadura só seria adotada pelo regime de modo sistemático depois do AI-5, em 1968. “Amor e Revolução” mistura tudo no liquidificador. Não presta como obra de ficção nem tem valia como documento histórico.

Restam, além das cenas abundantes de tortura, os depoimentos de personagens reais ao final de cada capítulo, como costuma fazer Manuel Carlos. É bom que o povo que gosta do programa do Ratinho conheça os horrores de que foi capaz a ditadura.

Na novela com intenções edificantes do SBT, porém, adular a atual presidente parece mais importante do que esclarecer as massas.

NA TV
Amor e Revolução
Novela de Tiago Santiago no SBT
QUANDO de seg. a sex., às 22h15
CLASSIFICAÇÃO 14 anos
AVALIAÇÃO ruim

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Há que rir, primeiro, é da “avaliação ruim” ao pé da matéria. Como se fosse possível que um jornal que ajudou a implantar a ditadura, e que foi seu instrumento, pudesse gostar de alguma maneira de uma novela denunciando essa mesma ditadura. Só podia avaliá-la como ruim, ora.

Barros e Silva, que em 1964 nem nascido era, confunde tudo. Acha que a extrema-direita só começou a atacar e torturar comunistas depois do AI-5. Por má fé ou ignorância, confunde a cena inicial da novela, em que um grupo de jovens se reúne em um sítio para sonhar com o socialismo, com a guerrilha de resistência à ditadura.

Dá vontade de rir quando o colunista chama de “maniqueísmo” mostrar o nível de criminalidade que envolvia os autores do golpe de 1964. Queria que o SBT apresentasse uma história em que os bandidos não fossem apresentados como tal, no mínimo.

E a parte da resenha que o totó do Otarinho faz sobre a novela que afirma que esta se destina a adular Dilma Rousseff, isso pertence à Coleção Folha de Fantasias, que tem “Best-Sellers” como Ficha Falsa da Dilma e Menino do MEP. Só esses palhaços acreditam – ou dizem que acreditam – que Dilma favoreceria Silvio Santos (de que maneira?) por conta de uma novela.

Todavia, a Folha atirou no que viu e acertou no que não viu. De fato há uma grave incongruência histórica na novela Amor e Revolução: a imprensa golpista, que teve papel crucial na instalação da ditadura e na tortura e assassinato de presos políticos, sumiu da trama.

Essa Folha… Quanta ingratidão. Deveria agradecer a Silvio Santos por esconder os crimes da imprensa golpista. Em vez disso, ataca o benfeitor com críticas que presumem que o leitor é tão idiota quanto o seu improvisado crítico-pistoleiro de plantão.

 

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Ditadura: A nossa suja história

Por Rui Martins O Brasil está empurrando para debaixo do tapete sua suja História, talvez por vergonha mas principalmente porque muitos de seus atores, que participaram do golpe e justificaram a ditadura, estão vivos e têm força suficiente, até no STF, para tentar apagar da memória da jovem geração nossas páginas vergonhosas.

Por Rui Martins*

Foi minha filha Julie quem me deu o tema para esta coluna, logo depois do almôço, quando falávamos das mentiras da Tepco no Japão, das tantas mortes na Líbia e do futuro de Kadhafi. Ela ainda está traumatizada por ter ouvido de um primo, numa reunião familiar na última viagem ao Brasil, que a ditadura militar tinha sido uma boa coisa para o País.

Terminando o curso colegial, tem estudado a História recente e me surpreendeu, pois, enquanto tomávamos o café preto sem açúcar, fez um simples mas profundo comentário:

Veja só papai: na França, existem ruas, placas comemorativas com o nome de Jean Moulin, herói da resistência à ocupação nazista. Quando estive em Barcelona, vi que o povo espanhol não esquece dos que lutaram contra o ditador Franco. Mas, no Brasil, ninguém fala nos anos da ditadura, minhas primas nem sabem disso, é como se nunca tivesse acontecido. Mas foram vinte anos !

Coincidentemente, tinha lido ontem, uma entrevista da jovem e brilhante jornalista Ana Helena Tavares com um dos nossos heróis da resistência à ditadura militar, Carlos Eugênio Paz, na qual ele fala nessa falha histórica, pela qual nossos cinco ditadores são chamados de presidentes e seus nomes são imortalizados em obras públicas.

É verdade, o Brasil está empurrando para debaixo do tapete sua suja História, talvez por vergonha mas principalmente porque muitos de seus atores, que participaram do golpe e justificaram a ditadura, estão vivos e têm força suficiente, até no STF, para tentar apagar da memória da jovem geração nossas páginas vergonhosas.

E minha filha citou como exemplo a experiência suíça. Durante anos, os manuais escolares, os jornais, os políticos suíços esconderam o papel da Suíça durante a Segunda Guerra, disfarçado sob o manto de uma pretensa neutralidade. Porém, pressionado pelo peso da verdade, o governo foi obrigado a criar uma Comissão histórica independente, composta também de historiadores estrangeiros, presidida pelo suíço Jean François Bergier, para se revelar os anos ocultos.

E muita coisa dolorosa se soube, desde os judeus entregues aos nazistas nas fronteiras, ficando seus bens retidos nos bancos suíços, à lavagem do ouro roubado dos bancos centrais dos países ocupados pelos nazistas. Com esse ouro lavado e trocado em dinheiro, os nazistas podiam importar tungstênio e matérias primas da Espanha e Portugal para fabricar suas armas de guerra. E, enfim, foi o próprio presidente suíço quem fez solenemente sua mea culpa.

Argentinos e espanhóis desenterram suas vergonhas e estremecem diante das revelações de adoções por famílias de militares dos filhos das jovens opositoras mortas sob a tortura. O exercício da memória é a única maneira de se restabelecer a honra de um país. O Chile teve também seu momento de penitência, ao se revelarem oficialmente os crimes de Pinochet, velho decadente fingindo-se de gagá, com seu passado de traição e assassinatos.

É verdade minha filha, o Brasil nunca poderá ser um país de respeito enquanto não lavar a sujeira dos seus vinte anos de ditadura, enquanto não soubermos os nomes dos torturadores e assassinos, alguns dos quais sobreviveram ao retorno da democracia como políticos e parlamentares.

Enquanto os livros escolares não falarem de resistentes como Marighella, Lamarca e de tantos outros que tornaram possível a democracia de hoje. Será também preciso se retirar dos ditadores, desde Castelo Branco a Figueiredo, passando por Médici, Costa e Silva e Geisel, a citação e referência de terem sido nossos presidentes.

É preciso se contar a verdade para as novas gerações estudiosas, que terão vergonha se o Brasil for o único país do mundo a acobertar a vergonha dos seus anos sujos de ditadura, de falta de liberdade, de torturas e assassinatos. E nesse quadro, é muito normal surgirem declarações abjetas como essas do deputado Bolsonaro, apoiadas pelo pessoal dos anos sujos. Declarações que nunca serão punidas.

*Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura, é líder emigrante, ex-membro eleito no primeiro conselho de emigrantes junto ao Itamaraty. Criou os movimentos Brasileirinhos Apátridas e Estado dos Emigrantes, vive em Berna, na Suíça. Escreve para o site “Direto da Redação” (onde este texto foi originalmente publicado), para o jornal “Expresso”, de Lisboa, e agência “BrPress”.

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