Buuu (Veríssimo imperdível)

Por Luís Fernando Veríssimo É nisso que deu, oito anos de governo Lula. Este caos. Todo o mundo com carro, e todos os carros na rua ao mesmo tempo. Não tem mais hora de pique, agora é pique o dia inteiro. Foram criar a tal nova classe média e o resultado está aí: ninguém consegue mais se mexer.

Buuu

Por Luis Fernando Verissimo – O Estado de S. Paulo

Diálogo urbano, no meio de um engarrafamento. Carro a carro.

– É nisso que deu, oito anos de governo Lula. Este caos. Todo o mundo com carro, e todos os carros na rua ao mesmo tempo. Não tem mais hora de pique, agora é pique o dia inteiro. Foram criar a tal nova classe média e o resultado está aí: ninguém consegue mais se mexer. E não é só o trânsito. As lojas estão cheias. Há filas para comprar em toda parte. E vá tentar viajar de avião. Até para o exterior – tudo lotado. Um inferno. Será que não previram isto? Será que ninguém se deu conta dos efeitos que uma distribuição de renda irresponsável teria sobre a população e a economia? Que botar dinheiro na mão das pessoas só criaria esta confusão? Razão tinha quem dizia que um governo do PT seria um desastre, que era melhor emigrar. Quem pode viver em meio a uma euforia assim? E o pior: a nova classe média não sabe consumir. Não está acostumada a comprar certas coisas. Já vi gente apertando secador de cabelo e lepitopi como e fosse manga na feira. É constrangedor. E as ruas estão cheias de motoristas novatos com seu primeiro carro, com acesso ao seu primeiro acelerador e ao seu primeiro delírio de velocidade. O perigo só não é maior porque o trânsito não anda. É por isso que eu sou contra o Lula, contra o que ele e o PT fizeram com este país. Viver no Brasil ficou insuportável.

v- A nova classe média nos descaracterizou?
– Exatamente. Nós não éramos assim. Nós nunca fomos assim. Lula acabou com o que tínhamos de mais nosso, que era a pirâmide social. Uma coisa antiga, sólida, estruturada…

– Buuu para o Lula, então?

– Buuu para o Lula!

– E buuu para o Fernando Henrique?

– Buuu para o… Como, “buuu para o Fernando Henrique”?!

– Não é o que estão dizendo? Que tudo que está aí começou com o Fernando Henrique? Que só o que o Lula fez foi continuar o que já tinha sido começado? Que o governo Lula foi irrelevante?

– Sim. Não. Quer dizer…

– Se você concorda que o governo Lula foi apenas o governo Fernando Henrique de barba, está dizendo que o verdadeiro culpado do caos é o Fernando Henrique.

– Claro que não. Se o responsável fosse o Fernando Henrique eu não chamaria de caos, nem seria contra.

– Por quê?

– Porque um é um e o outro é outro, e eu prefiro o outro.

– Então você não acha que Lula foi irrelevante e só continuou o que o Fernando Henrique começou, como dizem os que defendem o Fernando Henrique?

– Acho, mas…

Nesse momento o trânsito começou a andar e o diálogo acabou.

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FHC e a “sociologia interesseira”

Por Máximo Lula é quem, de fato, consegue interpretar a massa difusa, desorganizada, sem, entretanto, mobilizá-la nos termos do populismo apenas pra garantir a própria condição de mediador privilegiado. O que o Lula fez, com o bolsa-família, o crédito popular, “minha casa, minha vida”, não só mobiliza e – mais do que organiza – dignifica a vida. FHC usa muito mal a sociologia.

Sociologia interesseira

Por Máximo, no blog “Nação Maior

Concordo com a análise que FHC faz do contexto político da época da ditadura. Médici era mesmo muito popular, com seu radinho de pilha no Maracanã pra ver o Flamengo, seu “milagre’ econômico muito bem urdido pelo Delfim, permitindo à classe média poder comprar seu primeiro carro zero. A proposta de substituir a crítica das armas, inútil, diante de um exército poderoso, e ocupar todos os espaços possíveis de pregação oposicionista.

O resto, entretanto, é de uma sociologia interesseira:

Lula é apresentado como um populista. Aqui a malandragem, pois Fernando Henrique discutiu tanto com Octávio Ianni, com divergências de fundo sobre a natureza do populismo, que, ao invés do sociólogo de que se investe pra escrever o texto pro Noblat, quem acaba prevalecendo mesmo é o político que pensa na disputa do poder. Lula é popular – o que é outra coisa completamente diferente. Acaso lula tentou uma ligação direta com as massas, desrespeitando as intituições, sobretudo os sindicatos? É o tal negócio: o Estado pode ser apropriado pelo capital, mas quando se trata de abrir-se às organizações sindicais é “aparelhamento”, ou “república sindicalista”, espantalho usado pra derrubar Jango. “República sindicalista’ é outro papo que não cola em Lula. Jango, sim, era populista e o argumento da “república sindicalista”, embora interesseiro pra derrubá-lo, não era nenhum absurdo, pois os sindicatos ainda estavam sob o comando de pelegos da época do Estado Novo. O sindicalismo que se afirma na década de 70 – e do qual o próprio Lula é filho – tem outra natureza e demandas.

“Lula e o PT abandonaram a Revolução e se tornaram adeptos da pior forma de capitalismo, o capitalismo à base de trustes.” Isso é brincadeira e não merece sequer análise. O próprio FHC, após ter escrito isso, não deve ter feito a barba por mais de uma semana.

Seria diferente se tivesse dito que Lula e o PT se aproximaram de uma espécie de “rooseveltianismo”. De fato, o que percebo é um processo social análogo ao que ocorreu nos EUA após o governo Roosevelt: uma progressiva transformação social na direção de uma universalização da condição de classe média. FHC, de passagem, talvez pra não dar força ao Lula, escreve que o governo tem de ser mais do que mera prosperidade econômica e imagem de mobilidade social. É mesmo, cara-pálida?

De resto, foi Lula, com a sua inteligência visceral, quem resume FHC com precisão: “estudou tanto pra desprezar o povão”.

FHC propõe uma representação social na qual o povo não tem voz. Considera, como agentes válidos, apenas a classe média, os novos empresários, a juventude do mundo digital, das redes sociais, facebook, blogs, etc. Bobagem.

Lula é quem, de fato, consegue interpretar a massa difusa, desorganizada, sem, entretanto, mobilizá-la nos termos do populismo apenas pra garantir a própria condição de mediador privilegiado. O que o Lula fez, com o bolsa-família, o crédito popular, “minha casa, minha vida”, não só mobiliza e – mais do que organiza – dignifica a vida.

FHC usa muito mal a sociologia.

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Nota do QTMD?: A minha opinião é a apresentada no texto acima. No entanto, visto que este site não tem medo da democracia, disponibilizo aqui a defesa de FHC. 

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