Como o Brasil está trocando conhecimento por ideologia
Por Gustavo Castañon (*)
Dias trágicos estamos vivendo na educação pública brasileira. Notícias que chocam o cidadão leigo se sucedem dia após dia. Já acostumados a ver as crianças aprovadas automaticamente nas escolas, analfabetos funcionais se formando no segundo grau e o Brasil nos últimos lugares de todas as avaliações internacionais de educação, agora nos deparamos com novos absurdos. Nos chocamos com o fechamento autoritário das APAEs e do Benjamin Constant (IBC) instituições amadas e respeitadas em todo o Brasil, referências da educação inclusiva. Ficamos perplexos com a distribuição nas escolas de livros didáticos de má qualidade e forte conteúdo ideológico, como o livro de português que desvaloriza ideologicamente o uso correto da língua. Mas o que a maioria das pessoas não sabe é que todos esses absurdos tem uma fonte comum. Antes, seu poder de destruição não era claro. Agora, é.
Baixos salários sim, políticos demagogos sim, mas o que mais?
A desgraça da educação brasileira é sim, em grande medida, fruto dos baixos salários dos professores, o que provoca carência de quadros em disciplinas e fuga de grande parte dos mais capazes para outras profissões. Isso a gente já sabe.
Mas não é o baixo salário dos professores que aprova automaticamente, ensina que falar “os menino pega o peixe” é errado por causa do preconceito da classe dominante ou fecha as APAEs e o IBC contra a vontade e o interesse dos alunos e das famílias desesperadas.
Também não é somente o PT ou o PSDB ou o DEM, embora todos eles – todos – contra promessas de campanha promovam a aprovação automática para maquiar números de escolarização e nada façam contra o descalabro salarial e educacional.
A pedagogia do ressentimento
Vamos ser honestos. O que se degenerou no Brasil foi a pedagogia. Acusa-se às vezes, sem maiores análises, o construtivismo pedagógico e a pedagogia de Paulo Freire como responsáveis pela tragédia educacional brasileira. Mas o que esses acusadores não sabem (ou fingem não saber) é que nos grupos hegemônicos das faculdades de pedagogia não resta nada de Piaget, e de Freire, só a reverência.
Não, também não é o marxismo. Antes fosse. Se as faculdades de pedagogia tivessem sido tomadas pelo realismo materialista marxista nossas crianças estariam sendo doutrinadas, mas ao menos estariam aprendendo matemática e ciência moderna: física, química, biologia.
Pouco há no currículo dos cursos de pedagogia brasileiros que diga respeito ao termo. Técnicas de ensino e uso de novas tecnologias para a aquisição de habilidades como a leitura (que é uma técnica), são rotuladas de tecnicismo e desvalorizadas como instrumentos de destruição do senso crítico e da criatividade. Diagnóstico psicológico de dificuldades de aprendizado é demonizado como processo de estigmatização. Conhecimento científico psicológico básico sobre processos cognitivos (aprendizagem, memória, linguagem, percepção, pensamento) estão ausentes dos currículos por serem considerados instrumentos de perpetuação da idéia de indivíduo e de natureza humana. Conhecimento neurocientífico é ignorado por implicar prova da existência de capacidades inatas e condicionantes biológicas não sociais.
O que se estuda então a maior parte do tempo nos quatro anos de um curso de pedagogia e nos dois de licenciatura? Doutrinação. Variações pós-modernas e consequências de duas ideias irmãs: sociologismo (a negação do conceito de indivíduo e responsabilidade pessoal e a idéia de que todo conhecimento é uma construção social) e relativismo (a crença de que não existe verdade e que o conhecimento é ideologia).
Esterilizados pela ideia de que é verdade que não existe verdade, a maioria dos novos pedagogos se forma discursando contra a ciência moderna e contra todo tipo de avaliação (portanto, de reprovação). Para eles, como o sujeito é uma construção social, avaliações só serviriam ao propósito de dominação de classe e estigmatização do aluno pobre, impondo-lhe uma cultura “eurocêntrica” e “fabricando” seu fracasso escolar.
O relativismo epistêmico nega o valor que é o norte do conhecimento e da educação: a verdade. Quando afirma: ‘não há verdade válida para todos’, afirma que isso é verdade, e que é para todos. O relativismo é o dogmatismo mais ingênuo e danoso que existe, o dogmatismo inútil e ilógico de um dogma só, e que ainda assim, consegue se contradizer.
O casamento do ressentimento com a demagogia
Essas ideias falsas e rancorosas se casaram no Brasil com “administradores públicos” populistas que queriam maquiar os terríveis índices de evasão escolar, repetência e escolaridade média brasileiros, sem gastar um tostão a mais com educação. Os governos do PSDB em São Paulo, e de Garotinho e Cesar Maia no Rio, lideraram a disseminação da aprovação automática no Brasil.
Hoje vivemos o aprofundamento desse processo na educação básica com a gestão do PT. Apesar dos compromissos assumidos na campanha pela Presidente Dilma contra a aprovação automática, o MEC continua patrocinando este câncer sob o nome de “progressão continuada”. Faz isso porque se tornou refém dos grupos que exigem o aprofundamento dessas políticas, e controlam o sistema de confecção de livros didáticos e “políticas inclusivas” (para eles, o fechamento do IBC e das APAEs).
Porque as APAEs e o Benjamin Constant são inimigos?
As APAEs e o IBC existem para transmitir conhecimento (portanto emancipar) a pessoas com deficiências, concentrando nossos escassos recursos materiais e humanos. Mas para a pedagogia do ressentimento elas são inimigas, porque fabricariam a exclusão ao separar crianças do convívio social legitimando a ideia de que são diferentes. Como se a falta de visão, audição e paralisia cerebral fossem construções sociais e não fatos biológicos.
Para resolver isso, querem arrancá-las de professores e ambientes físicos altamente especializados e do convívio e socialização com outras crianças que tem as mesmas experiências. Mas o que é mais incrível: querem atirar crianças cegas, surdas ou com paralisia cerebral em classes comuns, entre crianças comuns (com a crueldade comum da idade), entregando crianças que precisam se comunicar em libra e ler em braile na mão dos mesmos professores que não conseguem ensinar Português a adultos. É a exclusão em nome da inclusão.
E o pior é que todos sabem disso. O MEC sabe disso. Os políticos sabem disso. Você sabe disso. E ninguém, à exceção das famílias desesperadas dessas crianças, está fazendo nada para evitar esse crime.
Nossa covardia e omissão nos levou à ruína. E agora?
Nós sabemos que essa anti-pedagogia, esse anarquismo pedagógico, nos levou à ruína. Sabemos que um diploma público ginasial não atesta mais nem que a pessoa sabe ler ou somar. A educação brasileira tem um dos piores resultados por recurso investido do mundo.
Antes de executar ações para reverter esse quadro, temos que deter sua piora. Se você concorda com alguma coisa que foi dita aqui, por amor a nossas crianças, faça alguma coisa. Assuma o desgaste. Se exponha. Combata a desconstrução em sua escola e em sua universidade. Divulgue este artigo. Escreva o seu. Participe das reuniões de pais. Impeça o fechamento das APAEs e do IBC. Lute pelo fim da aprovação automática. Pressione seu deputado. Pare de falar mal do Brasil no bar e assuma sua responsabilidade.
Não podemos mais lavar nossas mãos enquanto a educação pública brasileira se transforma numa atividade de doutrinação, psicoterapia ineficaz e lazer. Não podemos nos omitir enquanto o futuro de nossas crianças está entregue a uma legião de Pôncios Pilatos que, diante da realidade da desgraça educacional brasileira, lavam de suas mãos os restos do futuro de nossas crianças e perguntam cinicamente: “O que é a verdade?”.
*Gustavo Arja Castañon é doutor em Psicologia e professor de Filosofia na Universidade Federal de Juiz de Fora.
Muito bom! Acompanho seus textos desde que comprei o livro Fundamentos Filosóficos da Psicologia Contemporânea (sempre empresto aos meus alunos). Achei intrigante o comentário sobre as universidades não usarem mais nada de Piaget ou Paulo Freire. O senhor tem algo escrito sobre isso?
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Eu gostaria de saber de onde saiu a informação sobre “fechamento de APAE’s”…
Desconheço completamente essa questão, lembro do Serra falando isso nos debates e programas eleitorais na época da campanha, mas só falando mesmo, nunca vi (até agora) evidências que apontem para esse fechamento.
Dei uma olhada bem rápida no site da Federação Nacional das APAE’s (http://www.apaebrasil.org.br/), e não achei nada nesse sentido…
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“Ficamos perplexos com a distribuição nas escolas de livros didáticos de má qualidade e forte conteúdo ideológico”. Você citou 1 livro como exemplo, okay. E o resto? Quero nomes, autores, páginas. Se isso está ocorrendo nessa proporção, acho justo cobrar, ainda mais que o setor didático é o que mais movimento R$$$$ no país. Só que se, você não citar as fontes, acaba deixando a argumentação muito rasa.
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Caro Gustavo, acedito que o que falta na educação brasileira é vontade política de fazer e respeito ao cidadão, com os políticos que temos tais fatos ficam insustentável, precisamos denunciar estes atos contra o brasileiro enquanto educadores que somos.
Peciso falar um pouco sobre o programa de inclusão social do governo, em funão da experiencia vivida; entrei em sala de aula onde haviam 3 surdo-mudos que não identifiquei e não houve qualquer alusão da direção da situação especial desses alunos. Fui perceber da especialidade após um mes de 2 aulas semanais no período noturno, percebia que sempre que perguntava algo eles acenavam com a cabeça jamais imaginava a condição especial desses alunos. Quando soube me perguntei, o que fazer? já que não somos preparados para estes alunos, questionei a direção e me indicaram um monitor. Com tal ajuda tinha primeiro de ensinar ao munitor para que este, esperando que transmitisse o conteúdo dado, minha aula ficou mais pausada para que pudessem labialmente entender o conteúdo, os outros alunos começaram a dizer que minha aula ficou chata. Com tal fato, no semestre seguinte não atuei mais na Escola, já que em nenhum momento fui preparado para essa função.
Tenho um blog (http//jeronimobaldi.blogspot.com/) em que relato algumas ocorrencias dentro da minha área (Geografia) e lógico assuntos ligados a educação. Um grande abraço. jeronimo Baldi
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Obrigado Jerônimo, por dividir sua experiência conosco. Precisamos de o máximo de depoimentos de professores sobre isso, pra que as pessoas compreendam a extensão do crime que está sendo cometido contra essas crianças, contra as outras crianças que também se prejudicam, e com os professores que não podem resolver o problema e não ganham mais nem tem preparo pra isso. É muito triste e perverso, pois quem está fazendo isso, sabe que é isso o que acontece.
Abraço!
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Eu nao tenho medo dessa nossa “democracia” pq para mim ou é democracia ou nao é,e para mim nao é democracia pq nao existe democracia onde o povo precisa fazer mobilizaçoes nas ruas para serem ou vidos e mobilizaçoes essas nas quais demoram semanas para serem respeitadas e aceitas,nao existe democracia onde uma pessoa na qual votamos pra nos representar quer nos comandar,nao existe democracia onde temos direito de escolha no começo e nao fim somos apenas bonecos comodando por politicos.Cadê o nosso direito de escolha?Vcs q lidam e nos q iremos lidar com as salas de aula q sabemos como é ,nós alunos e vcs professores.Eu nao tenho medo dessa “democracia” pq ela nao existe!
Ingrid Fernandes,aluna do Instituto de Educaçao Gov. Roberto Silveira,D.C.
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O texto reflete exatamente o caos instalado na educação deste país. O MEC é uma piada de mal gosto e insiste em seus erros grotescos (ENEM, campanha em escolas, etc.). Basta de incompetentes neste Ministério!
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Excelente artigo!
A solução no meu modo de ver é a mesma solução para vários outros problemas brasileiros. Nós temos que ter a liberdade de escolher como vender nossa força de trabalho, e de como utilizar os recursos advindos dessa. Ou seja, minimizar os impostos, minimizar o estado. Está claro que nossos administradores públicos não sabem o que fazem, nunca souberam, e nunca saberão. A máquina pública brasileira é exaustivamente utilizada para exagerado benefício de uma aristocracia política, enquanto nós trabalhamos sem perspectiva apenas para sustenta-la.
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Obrigado Heber por dividir sua experiência. O relativismo na educação está já começando a provocar a ruína do Brasil. Temos que lutar contra isso com tudo o que estiver a nosso alcance, e a primeira coisa delas é nos posicionar. A classe política só tomará providências diante de prejuízos eleitorais. Portanto o que podemos fazer no momento é conscientizar as pessoas. O casamento entre esses ressentidos infelizes que odeiam o conhecimento científico e os demagogos que só pensam na próxima eleição já está começando a atrasar o Brasil uns vinte anos. E vinte, se tivermos sucesso em detê-los. Abraço!
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Desculpa de cego é a muleta. Quem não acredita no que foi dito neste artigo, normalmente nem entendeu o seu significado, ou não sabe o que seria o analfabetismo funcional.
O artigo tem pelo menos 80% de realidade de quem já esteve numa sala de aula pública. Se os professores começarem a reter seus alunos, logo logo será avaliado como quem não sabe cobrar e ensinar. A pressão para empurrar o aluno com nota zero é muito grande. Precisa-se guardar tudo dele para se poder comprovar e segurar um ou outro. Só que não se cobra de aluno que não sabe, não gosta, se recusa e pais inativos. Não tem como cobrar um dever sem ir na casa do aluno e fazê-lo fazer. Os alunos de ensino médio não sabem ler sem gaguejar em todas as frases. Existem excessões, mas antes eram 6 alunos ruins numa sala, agora são 6 bons numa sala com 35.
Reter uma quantidade grande de alunos significa preencher estas vagas com a reprovação, então o político tem que criar novas escolas para colocar a geração que está chegando. Para não ter estes gastos, as escolas não podem reter muitos e empurra o aluno e espera que ele aprenda no cilco, 3 ou 5 anos depois. Só que ele não aprendeu naquele ano e como fará para sanar o que não sabe no ano seguinte onde se cobrará o que deveria saber. Ou para o avanço geral ou revê toda a matéria novamente e, perdem todos, o ano sem avanço necessário para aquele nível.
As Apaes não recebem nem mais uma inscrição. Tente ir lá! Se for casos gravíssimos ainda se inclui, mas já se encaminham para salas normais alunos com as dificuldades demonstradas neste artigo.
Na Apae, quando um aluno sai com 18 anos, normalmente ele está a nível de 1 ou 2 ano no fundamental. Nenhum professor normal, está fazendo alguns curso em massa em sua escola para aprender a dar aula em braile ou libras. Existem um ou outro fazem cursinhos de uma vez por quinzena para saber como lidar com este aluno. Existem casos simples de alunos que não são totalmente cegos, vêem sobras ou desfocado e este tipo de aluno precisa ser acompanhado por qualquer um na escola. Antes ele tinha a escola especial para ajudá-lo, pois ele é normal mas isto foi retirado também. Ele pode ser ajudado por seu colega de sala. Que normalmente é um bom aluno e para dar conta de ajudá-lo este fica atrasado ou sobrecarregado devido ajudar o outro. O p´rofessor sozinho com um aluno deste fica sem dar atençãqo aos demais. Quer dizer, a sala toda fica prejudicada. Mas em muitas salas têm mais de um aluno assim. Ou ainda terão.
Um aluno ou outro com dificuldade especial ainda se trabalha na sala. Mas quando tivermos 10, 15 e isto será nesta década!
Os alunos só querem fazer prova de multipla escolha. E não acertam sem colar, são poucos os que fecham a prova.
Logo logo todos estes alunos vão estar nas universidades, para se formar e ser o profissional que cuidará de seu filho (quem estiver lendo) e vc vai cobrar profissionalismo dele ou jugar a culpa na escola que ele cursou ou fugir para outro tratamento com outro que tb terá a mesmas deficiências de formação… (INTERROGAÇÃO)
O artigo falou em política, e acredito que estejamos sendo levados a uma nova forma de socialismo conjunto com uma nova forma de capitalismo. Todos os dois tipos já estão falidos e esgotados. É necesssário uma nova forma de Economia! Mas para a classe governante poder continuar neste capitalismo de lucros, é preciso um povo ou uma massa para sustentá-los nos lucros. E nada melhor que construir uma massa de população nivelada por baixo, sem saber como cobrar uma mudança no futuro. É isto que está sendo construído no Brasil, mesmo todos os políticos e influentes sabendo que estamos no caminho errados.
A educação está sendo sobrecarregada de atividades extra sala e aprendizagem para dificultar até o raciocínio do próprio professor que não tem tempo nem de reclamar ou compreender o que acontece em seu meio de trabalho!
Esta nova forma econômica, iludirá a todos, dando estudo e faculdade inadequadas e todos e tendo um salário nivelado em baixo. Todos acreditarão que estão no máximo que podem e se quiserem cobrar melhoria, não conseguirão por não terem qualificação, leitura, escrita, articulação adequada para tentar mudar o mundo num futuro próximo. Ou melhor, nem perceberão a realidade que estão entrando.
Nas novas gerações, será 10% governando 90% , (teoricamente) e isto é um socialismo que pode dar certo! Não agride e não exige imediatamente. E acredito que vc estará em um dos dois lados. Tenho quase certeza que tem muitas pessoas que não entenderiam o que disse, é normal, e cuidado com a forma de estudar. O futuro também é para vc!
Parabéns ao autor pelo artigo!
Heber Cristiano
Biólogo, pós graduando em Educação Ambiental, graduando em Administração Pública e Professor do Ensino Médio e Fundamental – Público
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Excelente artigo. Precisaria chegar às autoridades. O que vemos na educação hoje levará rapidamente o país a um grande atraso.
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Ralf, em que realidade você vive? Se isso exposto ai não é Brasil, mostre-nos o que seria.
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tbm gostaria de saber como funciona essa realidade do Ralf…
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Preciso! Muito bom artigo. Não vi nenhum preconceito, vi conceito. Conceitos que a pedagogia brasileira se recusa a estudar e aplicar.
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As duas frases abaixo são exemplares do tipo da pedagogia que denuncio: Chavão e princípio da autoridade. Argumento, nem sombra.
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Amontoado de preconceitos. Entendimento real sobre educação, nenhum.
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