A reforma agrária pelo olhar dos assentados

Julio Cezar P. de Oliveira: Esse livro se coloca no campo da defesa da necessidade da Reforma, não apenas como um instrumento que possa garantir melhores índices de distribuição da terra, mas também que incorpore produtivamente milhares de famílias que se encontram segregadas nas áreas mais pobres das cidades brasileiras.

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Por Júlia de Martins, no site “Olhar Virtual” (da UFRJ) 

O pesquisador Julio Cezar Pinheiro de Oliveira, formado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) e aluno de Pós-graduação do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ (Ippur), lançou este ano o livro Desconstruindo o Latifúndio: a saga da Reforma Agrária no Norte Fluminense (Editora Apicuri, 2011).

A obra, organizada por Oliveira juntamente com os professores Marcos A. Pedlowski e Karla Aguiar Kury, apresenta um conjunto de artigos sobre os assentamentos criados por militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), na região Norte do Rio de Janeiro. O projeto busca acrescentar outros elementos à discussão sobre a Reforma Agrária no Rio e no Brasil a partir do ponto de vista diferente.

A publicação, que contém 212 páginas, foi lançada no dia 10 de maio e está disponível pelo preço médio de R$30.

Em entrevista ao Olhar Virtual, Julio Cezar falou um pouco mais sobre a obra.

Olhar Virtual: Como foi feito o processo de pesquisa para a elaboração do livro?

Julio Cezar P. de Oliveira: Essa obra é resultado de um esforço de pesquisa de mais de uma década que vem estudando os assentamentos criados a partir de ocupações lideradas pelo MST desde 1997. Devido à posição privilegiada da Uenf, que se localiza em Campos dos Goytacazes, tivemos a oportunidade de estudar uma dezena de assentamentos sob diferentes aspectos. O livro procura condensar este esforço analítico e, como fizemos tudo através de um estudo longitudinal da realidade, a obra oferece um olhar para além do imediato, se concentrando naqueles fatores mais persistentes e que, por isso, possuem um potencial de explicação mais forte da realidade.

Olhar Virtual: A obra apresenta os resultados objetivos da consolidação dos assentamentos e as dificuldades e transformações pelas quais os assentados têm que passar. O senhor poderia falar mais sobre isso?

Julio Cezar P. de Oliveira: O que os diferentes artigos que compõem o livro mostram é que, apesar de todas as limitações e dificuldades, os assentamentos do Norte Fluminense são um êxito no que se refere ao retorno de centena de famílias ao campo. Isto fica demonstrado não apenas no montante da produção que é gerada, mas também na melhoria das condições de economia e qualidade de vida da maioria das famílias assentadas.  Penso que o livro demonstra que isso ocorre sem que o Estado, em seus diferentes níveis, dê o efetivo suporte técnico e financeiro para que as famílias possam cultivar e comercializar a sua produção. Com isso, um dos artigos rotula a maneira com que a Reforma Agrária está sendo realizada no Norte do Rio e, ao mesmo, “desassistida”, que é de fato como a coisa acontece.

Olhar Virtual: Como foi feita a escolha do conteúdo e da ordem dos capítulos, já que, de acordo com a “orelha” do livro, ela não foi aleatória?

Julio Cezar P. de Oliveira: Primeiro, procuramos escolher um conjunto de temas que pudessem oferecer ao leitor uma ideia do amplo leque de elementos que afetam a efetiva consolidação dos assentamentos de Reforma Agrária. Além disso, convidamos o professor Paulo Alentejano, da Faculdade de Formação de Professores da UerjERJ, para apresentar um panorama geral da questão da reforma agrária no estado do Rio de Janeiro e o papel do Norte Fluminense neste processo.  O objetivo dessa forma de construção da obra foi demonstrar que a ideia de que o Rio de Janeiro não precisa mais da Reforma Agrária é equivocada.  Os artigos que retratam aspectos mais específicos do cotidiano dos assentamentos foram ordenados de maneira que o leitor pudesse visualizar a realidade dos assentados, suas dificuldades e as estratégias que adotam para permanecerem na terra que foi entregue a eles para a produção alimentos.

Olhar Virtual: Por que as experiências dos assentados foram usadas como recurso para contribuir com a discussão sobre a reforma agrária, que é um tema já bastante analisado?

Julio Cezar P. de Oliveira: Nós acreditamos que este livro, ao se concentrar nos assentados como unidade analítica, oferece uma contribuição que vai além do debate ideológico entre os que defendem e os que são contra a realização da Reforma Agrária. E aqui é preciso frisar que existem poucos trabalhos ainda sobre a realidade dessas comunidades a partir da realidade vivida pelos seus integrantes.  Apesar de já existirem obras que traçaram análises sobre os impactos regionais dos assentamentos, ainda temos uma escassez de conhecimento no impacto que eles trazem. Neste sentido, podemos considerar que, mesmo que o tema da Reforma seja razoavelmente debatido, os assentamentos e seus moradores são ainda praticamente ignorados. Além disso, se considerarmos a forma precária com que a Reforma Agrária tem sido executada no Rio de Janeiro, o livro representa uma contribuição importante para que possamos entender o que de fato acontece nas áreas reformadas.

Olhar Virtual: Em que consiste o debate teórico acerca da correção histórica da implantação da reforma agrária no norte do Rio e no Brasil?

Julio Cezar P. de Oliveira: O que nos parece claro é que, de conjunto, existem atualmente duas posições explícitas, não apenas sobre a necessidade atual da Reforma Agrária, mas sobre o modelo de agricultura que devemos ter no Brasil. Há os que afirmam que o momento de mudanças no campo já foi superado e apontam para uma suposta inexorabilidade da agricultura empresarial, voltada para a exportação de commodities agrícolas como soja, laranja e açúcar. E, em contraposição, há os que entendem a persistência dos altos padrões de concentração da terra como base das graves desigualdades sociais que persistem no Brasil. Além disso, a maioria os teóricos pró-Reforma Agrária entendem que a produção deveria ser voltada para assegurar a segurança alimentar dos brasileiros, o que só seria possível com um modelo ancorado na agricultura familiar. Esse livro, apesar de não ter um viés teórico e, sim, empírico, se coloca no campo da defesa da necessidade da Reforma, não apenas como um instrumento que possa garantir melhores índices de distribuição da terra, mas também que incorpore produtivamente milhares de famílias que, neste momento, se encontram segregadas nas áreas mais pobres das cidades brasileiras.

Olhar Virtual: Como a representação do quadro existente no Norte Fluminense pode contribuir para a compreensão da situação geral da Reforma Agrária e dos assentamentos em todo o Brasil?

Julio Cezar P. de Oliveira: Acreditamos que, infelizmente, o descaso e o abandono a que os assentamentos do Norte Fluminense estão submetidos não são exceção, mas regra no que se refere ao tratamento dispensado pelo Estado brasileiro. Eu me arrisco a afirmar que a leitura dessa obra permitirá ao leitor visualizar o que está acontecendo no resto do Brasil. Mas, para não ficar apenas no aspecto negativo do processo, creio que, também a partir deste livro, será possível identificar o papel preponderante que os assentados vêm tendo no processo de resistência à expansão do agronegócio, a partir de esforços na micro-escala. Os resultados desta resistência ficam evidentes toda vez que analisamos a origem dos alimentos que chegam às mesas dos brasileiros, o que, inclusive, ficou evidenciado pelos resultados do Censo Agropecuário de 2006.

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Conflitos no campo – Um cordel pra Reforma Agrária

Por Crispiniano Neto Desde quando o invasor, das caravelas,
Deu um grito dizendo “terra à vista”
Que um conflito terrível se avista
Com o sangue a sujar paisagens belas
“herdem a terra”, em frases tão singelas
Garantiram “plantando tudo dá”
Destes tempos românticos para cá,
muitos foram plantados nestes chãos
por querer fecundá-los com as mãos
do extremo Chuí ao Amapá!

Por Crispiniano Neto

Desde quando o invasor, das caravelas,
Deu um grito dizendo “terra à vista”
Que um conflito terrível se avista
Com o sangue a sujar paisagens belas
“herdem a terra”, em frases tão singelas
Garantiram “plantando tudo dá”
Destes tempos românticos para cá,
muitos foram plantados nestes chãos
por querer fecundá-los com as mãos
do extremo Chuí ao Amapá!

Pindorama contava nestes dias
Com milhões de irmãos Gês, Guaranis,
Anaruaques, tapuios e tupis
Sob os mapas das vis capitanias;
Em seguida vieram as sesmarias
E depois as entradas e bandeiras
As fazendas de gado ou cafezeiras
as “plantations” complexas e as usinas
que redundam em balas assassinas
das eternas UDRs brasileiras.

Em seguida trouxeram o negro escravo
No chicote, na algema, bala e tombo
Que levou por três séculos, sobre o lombo
O País entre ferradura e cravo
Amargando na boca um grande travo
Carregando no ombro as padiolas
Mas depois se tornando quilombolas
Pra buscar liberdade e novos ares
Construindo centenas de Palmares
Pra quebrar as algemas e as argolas.

Depois foram famintos sertanejos
Contestado, Canudos, Caldeirão ,
com enxada e rosário em cada mão
Para São Saruê foram cortejos
A trombeta da fé guiou desejos.
Que queria este povo em oração?
Monarquia nem Dom Sebastião…
Só queriam montar nos arraiais
Um Brasil sem miséria e capataz
Mas com terra e fartura no Sertão!

Vi depois nossas Ligas Camponesas
Dão, Virgínio e também Pedro Teixeira
Enfrentando o fuzil e a peixeira
Preparando também suas defesas;
Latifúndio montando fortalezas
Ditadura mudando de idéia
A rasgar o Estatuto na estréia
E eles firmes na luta que juraram
A exemplo de Cristo eles sangraram
Na defesa do chão da Galiléia.

Este rastro de sangue brasileiro
Representa um rastilho de esperança
De que a terra inda vai trazer bonança
Quando for realmente do roceiro
Nossa luta acompanha este roteiro
Desta gente que vai cantando salmos
Destes homens tão firmes mesmo calmos
Das mulheres que querem só viver
Deste povo que luta pra não ver
Sua terra medida em sete palmos!

Ter a terra pra quem luta na terra
Ter a água que mate a sede e molhe…
Ter o fruto pra quem plante e quem colhe
Ter um porto seguro pra quem erra
Nos caminhos e atalhos desta guerra
E acabar com o trabalho escravizado
Pra o Brasil se chamar civilizado
Um país que afirma ser cristão
É preciso um lugar ao sol e ao chão
Com roceiro podendo ter roçado!

São milhares de vítimas desta luta
Norte, Sul, Leste, Oeste e Centro-Oeste
Porém sempre um destaque pra o Nordeste
Onde a seca e cerca entram em disputa.
Destruíram com a “lei da força bruta”
Chico Mendes, Cretã e Oswaldão,
Um Justino, um Josimo, um Zé, um João…
Margarida que a nós deixou insônia
E os irmãos massacrados em Rondônia
E aqui perto, o saudoso Bastião!

Se integre, que a luta com você
Terá tudo pra ser muito maior
Dando o melhor de si pra ser melhor
Essa luz que ao longe o povo vê
É na ação que também vê e lê
O anúncio do sangue que cairá
E o registro do sonho que já está
Já na crônica das mortes planejadas
Mas é mapa das terras conquistadas
E é projeto do reino que virá.

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