Hélio Fernandes: “A humanidade não pode ter baixado tanto como baixou com Joesley Batista” Especial para o QTMD?

Um dos jornalistas mais vezes preso na história do Brasil, único julgado pelo STF, único remanescente da Constituinte de 1946, acompanha atentamente o desenrolar dos acontecimentos políticos nesse início de século XXI e gosta de assistir a partidas de tênis. Perto de completar 97 anos, Hélio Fernandes, o controverso dono da “Tribuna da Imprensa”, concedeu em sua casa entrevista exclusiva ao “Quem tem medo da democracia?”. Esbanjou lucidez, desvelando nossa história recente e traçando paralelos com os dias atuais.

Hélio por Claudia
Retrato de Hélio Fernandes feito especialmente para ilustrar esta entrevista pela fotógrafa CLAUDIA MARTINI.
“Nas ditaduras não existem divisões partidárias, pois todos os homens têm que raciocinar como lhes mandam, falar como lhes mandam, escrever como lhes mandam, viver e até morrer como lhes mandam”
(Franklin Roosevelt, citado por Hélio Fernandes em seu livro “Recordações de um desterro em Fernando de Noronha”)

Por ANA HELENA TAVARES,

editora do Quem tem medo da democracia?

Um dos jornalistas mais vezes preso na história do Brasil, único julgado pelo STF, único remanescente da Constituinte de 1946, acompanha atentamente o desenrolar dos acontecimentos políticos nesse início de século XXI e gosta de assistir a partidas de tênis. Perto de completar 97 anos, Hélio Fernandes, o controverso dono da “Tribuna da Imprensa”, concedeu em sua casa entrevista exclusiva ao “Quem tem medo da democracia?”. Esbanjou lucidez, desvelando nossa história recente e traçando paralelos com os dias atuais.

Hélio Fernandes dirigiu três revistas ilustradas: “O Cruzeiro”, “Manchete” e “Revista da Semana”. Trabalhou no “Diário Carioca”, até 1951, e depois, em 1956, criou a primeira coluna política, no jornal “Diário de Notícias”. Tomando ao pé da letra o título dos dois jornais, ele sempre acreditou que jornalismo é diário.

E faz questão de lembrar o que deixou registrado em sua “Tribuna”: “Vou escrever até o último dia em que eu possa escrever”. Para isso, usa atualmente um blog e o Facebook. Mas assume que a liberdade para escrever, a tão falada liberdade de imprensa é “a liberdade dos donos de jornais”. Conta fatos históricos que embasam sua posição e diz que hoje em dia “há um certo ar de liberdade, mas até os interesses serem ameaçados”.

Para Hélio Fernandes, a indefinição política, de “quem não quer coisa alguma”, ou a definição pelos extremos é característica dos que têm medo da democracia. Ele fala das prisões como capítulos naturais de uma vida inteira de combate a “tudo aquilo o que não coincidia com suas convicções”.

A mudança da capital federal para Brasília foi uma das coisas que bateu de frente com as convicções do jornalista Hélio Fernandes. “A capital mais bonita e mais corrupta do mundo”, define. A beleza se deve ao trabalho de Oscar Niemeyer e Lúcio Costa. Este último, segundo ele, desenhou o plano piloto num “papel de bicheiro”.

Ao analisar o cenário atual, Hélio chama o que aconteceu no Brasil em 2016, levando à queda da presidente Dilma Rousseff, de “conspiração parlamentar vitoriosa” e diz que, no aspecto moral, vê a delação premiada como “o auge da canalhice”. Mas acredita que tudo o que Brasil tem passado tem levado o povo a tomar consciência política.

Testemunha ocular da breve experiência parlamentarista no Brasil no início dos anos 60, o experiente jornalista não vê possibilidade de o parlamentarismo dar certo aqui e garante que aqueles que defendem isso nada mais querem do que a “autenticação do troca-troca”. Além disso, considera o chamado “distritão misto” uma “vergonha total e absoluta”.

Perguntado sobre suas expectativas para 2018, ele diz que vivemos um cenário imprevisível e que tudo é possível num país em que “o presidente da República é chamado na TV de ladrão e nada acontece”. Mesmo sendo um homem que já viu de tudo na vida, mostra-se impressionado com a figura de Joesley Batista. “A humanidade não pode ter baixado tanto”, lamenta.

Leia a seguir a íntegra da entrevista. 

Quem tem medo da democracia?

Quem não se define, quem é de extrema direita, quem não se diz de esquerda. Todo mundo que detesta a liberdade. Quem não quer coisa alguma. Tem medo da democracia, realmente. O Winston Churchill definiu magistralmente. Quando perguntado sobre democracia, ele disse que é o pior de todos os sistemas, excetuados todos os outros.

A democracia vem sobrevivendo há centenas de anos, com vários nomes, e sempre muito atacada. Porque, na verdade, só existem 5 sistemas ideológicos: centro, centro-esquerda, radical de esquerda, centro-direita, radical de direita. E a democracia no meio, sempre, sempre. Quem defende a democracia, defende a humanidade e tudo o que vale a pena. Quem combate a democracia, não tem nem resposta.

O que você aprendeu com as prisões?

Não foram só as prisões. Foi um processo de uma vida toda. Eu não combati só o golpe de 64. Eu passei a vida combatendo tudo aquilo que não coincidia com a minha convicção. Em 1963, eu fui preso porque o general Jair Dantas Ribeiro, ministro da Guerra (equivale hoje ao ministro da Defesa), publicou uma circular sigilosa e confidencial e mandou para todos os generais. No mesmo dia, um general me deu e eu publiquei. Fui preso. Como o ministro tinha foro privilegiado, eu fui julgado pelo Supremo.

Fui defendido por 6 advogados: Sobral Pinto, Adauto Lúcio Cardoso, Prado Kelly, Evaristo de Moraes, Jorge Tavares, Prudente de Morais Neto. Todo mundo dizia: “Puxa, você tem que ser absolvido, com essa seleção”… Eu estava incomunicável e meus advogados fizeram um pedido ao presidente do Supremo, Ribeiro da Costa, uma notável figura, para quebrar a incomunicabilidade.

Neste tempo, meus advogados foram procurados por um general que assumiu que era ele que tinha me dado a circular. Ele disse: “Quem deu a carta fui eu, vocês podem revelar, porque a mim não vai acontecer nada, eu não sabia que ia dar essa repercussão tão grande”. Eu disse: “eu não conheço esse general”. No dia seguinte, o general deu uma entrevista para cerca de 20 jornalistas assumindo toda a responsabilidade. O nome dele: Cordeiro de Farias.

Quer dizer, a fonte se assumiu…

Sim, foi a fonte que assumiu. No dia seguinte, o Millôr (Fernandes, irmão de Hélio) declarou: “Um jornalista que recebe um documento do ministério da Guerra e não publica, é melhor que abra um armazém de secos e molhados”.

Ficou conhecida uma frase do Millôr em que ele diz que “jornalismo é oposição, o resto é armazém de secos e molhados”.

Exato. Depois ele disse isso também. E acabou que não fui condenado Ficou quatro a quatro. Os quatro que votaram contra mim queriam suspender o julgamento (alegando baixo quórum). Mas o presidente do Supremo, Ribeiro da Costa, resolveu votar e desempatou a meu favor. Terminou 5 a 4. Fui liberado no mesmo dia.

Assim, fui o único jornalista brasileiro julgado pelo Supremo. Processados foram muitos, mas entrava com advogado e era arquivado. O Rui Barbosa foi processado duas vezes. Chateaubriand. Mas nunca foram julgados. Eu fiquei lá de corpo presente vendo quatro ministros do Supremo me colocarem como herói e outros quatro me considerarem um traidor da pátria.

Depois fui julgado em várias varas. E, depois de me prenderem várias vezes, ainda moveram 37 processos contra mim. Então, todo dia eu tinha que ir a uma vara, e arrumar advogados… Naquela época da ditadura, muitos advogados defendiam presos políticos e nunca me cobraram nada, nada…

Quando você estava preso no mesmo local em que Carlos Lacerda, você observou que Lacerda pedia vantagens às pessoas poderosas que ele conhecia. Então, você disse a ele: “Quem está preso não pede nem concede nada”. Essa história você contou em entrevista ao Alberto Dines e ao Ancelmo Gois, para o Observatório da Imprensa. Pensando na frase, eu queria saber o que você acha, moralmente, da chamada delação premiada.

Moralmente, é o auge da canalhice. É o ponto mais impressionante a que uma pessoa pode chegar porque vai trair todos aqueles com quem ele conviveu. Do ponto de vista jurídico, é algo que existe no mundo todo. Mas de forma diferente.

Para atualizar: o Lúcio Funaro está assombrando Brasília. É doleiro do PMDB, sempre esteve muito próximo do poder. Interessante que o PMDB nunca lançou um candidato à presidência da República, sempre preferiu ficar do lado de fora. Com o Temer, eu não chamo de golpe, chamo de conspiração parlamentar vitoriosa.

Você chama a delação premiada de “o auge da canalhice”. A Lava-Jato teria chegado aonde chegou sem isso?

Não. De jeito nenhum. A delação premiada é o máximo da falta de caráter, mas do ponto de vista de servir a uma causa contra a corrupção, sem ela não se teria chegado nem a 10 ou 20 por cento. Depois que são entregues documentos e feita a investigação, é que (a delação) pode ser aprovada. Por exemplo, esse ex-presidente do TCE-RJ (Jonas Lopes de Carvalho), que ficou 5 meses no exterior e se aposentou com 30 mil reais, vai ficar em prisão domiciliar. Ele entregou (através de delação) quase todos os conselheiros do TCE. São sete no total, só escapou uma mulher. Muitos depoimentos foram importantíssimos, realmente. Agora, o filme sobre a Lava-Jato está sendo muito atacado, tem até gente querendo proibir.

Todo esse processo tem levado o povo a uma maior conscientização política?

Sem dúvida nenhuma. O povo não está se manifestando como antes, mas está tomando consciência. Você vê que o ministro Gilmar Mendes é um dos maiores críticos da Lava-Jato. Ele ataca todo o pessoal, ataca o Moro e todos os procuradores. Então, tem muita gente furiosa, incomodada, com medo. Dos 513 deputados federais, tem mais de 150 citados. No Senado, são menos, mas, de qualquer maneira, atingiu o Renan Calheiros, o Romero Jucá, o Edson Lobão, o Eduardo Braga. Todos até então intocáveis. Agora, o Supremo está com um processo sobre o foro privilegiado. Mas há 3 meses o Alexandre de Moraes pediu vista. Eles não julgam porque acham que pode atingir o Michel Temer.

Você trabalhou com JK e passou a ser oposição ao governo dele depois que ele resolveu mudar a capital para Brasília. Por que você foi contra?

Porque achei um erro. Tudo o que está acontecendo de ruim no Brasil tem a ver com Brasília.

Seria diferente o cenário político brasileiro se a capital fosse ainda o Rio de Janeiro?

Total. Inteiramente. Brasília é a capital mais bonita do mundo e a mais corrupta que existe. Quando a capital era o Rio, o vice-presidente não tinha uma casa. Lá todo mundo tem casa. Mansões fantásticas para o presidente da Câmara, o presidente do Senado, chefe da Casa e Civil, ministros de Estado. Além do custo de pessoal enorme, tem uma mordomia total. Porque não se separa a parte da residência e a parte pública. O que gastam é uma coisa fantástica.

Até a década de 60, eu frequentei quase que diariamente a Câmara e o Senado, quando eu era secretário da revista “O Cruzeiro” e também quando passei a fazer a primeira coluna política a partir de 1956, no “Diário de Notícias”, até 1962, quando fui para a “Tribuna da Imprensa”. Eu fazia, todo dia, meia-página de coluna e ainda um artigo na página 3. O Castelinho achava muito, o Millôr me chamava de maluco. Mas sempre achei que jornalismo é diário.

Você foi assessor do JK na campanha dele à presidência em 1956, mas já conhecia ele antes e deve ter debatido com ele os prós e contras da ida para Brasília.

Olha, na Constituinte de 1946, foi o meu primeiro trabalho com ele.

Você é o único jornalista vivo que cobriu aquela Constituinte…

Jornalista, funcionário, deputado, senador… Não tem ninguém, ninguém… Sou a única pessoa viva. Conheci ali todo mundo. Inclusive, Carlos Lacerda e Juscelino. Vínhamos de 15 anos de ditadura (Vargas), e não houve inelegibilidade, então muitos se candidataram. O Juscelino tinha sido prefeito de Belo Horizonte de 1939 a 1945. Foi boa a administração dele e ficou amigo do Oscar Niemeyer naquela época. Depois o Juscelino foi governador de Minas e depois candidato a presidente da República.

Quando ele foi candidato a presidente, ele era muito amigo do Horácio de Carvalho Jr., dono do “Diário Carioca”, e pediu ao Horácio que marcasse um almoço comigo. No almoço, o Juscelino disse: “Hélio, vou te fazer um convite, mas eu se fosse você não aceitava”. Eu perguntei: “O que é?” E ele disse: “Hélio, sou candidato à presidência, mas nós não temos dinheiro para coisa alguma. E eu queria que você dirigisse a parte de comunicação da campanha”.  E eu respondi: “Governador, só o fato de correr o Brasil inteiro com um candidato a presidente vai me dar uma satisfação muito grande. O dinheiro não tem problema nenhum. Já estou aceitando.”

E não havia dinheiro realmente. Três pessoas escreviam os discursos do Juscelino: o Álvaro Lins, redator-chefe do “Correio da Manhã”; Augusto Frederico Schmidt, grande poeta, excelente figura; e eu. Eles não viajavam, então eu que entregava os discursos ao Juscelino. Ele olhava, lia, botava no bolso e falava de improviso. Eu chamava ele de “mediúnico”.

Um dia, em Jacarepaguá, um fato histórico. Eu entreguei a ele um discurso escrito pelo Schmidt, que tinha uma frase que o Juscelino gostou muito: “Deus poupou o meu sentimento do medo”. Ele achou que aquilo tinha muito a ver com a vida dele, porque ele nunca teve medo. Muita gente depois se disse autor do discurso. E eu várias vezes escrevi que o discurso foi escrito pelo Schmidt.

O que acontece é que Juscelino jamais falou na campanha que ia fazer a mudança de capital. Porque eu era rigorosamente contra.

E é importante recordar uma coisa: ele sofreu uma grande campanha contra sua posse. Mas no dia 11 de novembro de 1955, debaixo de uma chuva tremenda, de madrugada, ele tomou posse no Congresso, sob a proteção de 8 generais. O mais importante deles o Marechal Odílio Denys. Mas só iria tomar posse como presidente em 31 de Janeiro.

Então, ele resolveu viajar como presidente eleito, mas ainda não empossado. E me convidou para viajar com ele pelo mundo inteiro. Aceitei. Naquela época, havia duas companhias de aviação importantes: a Varig  e a Panair. Todas as duas queriam levar o Juscelino. Ele disse: “Eu vou numa e volto na outra”. Aceitaram. E, na viagem, conhecemos reis, rainhas, primeiros-ministros…

Na volta, ele me perguntou: “Hélio, o que você vai ser no meu governo?”. Eu disse: “Nada, presidente”. Aí, quando ele assumiu, em 31 de Janeiro de 1956, ele anunciou que iria mudar a capital. Imediatamente, eu me desliguei e passei a fazer oposição.

Você se sentiu traído?

Não sei se a palavra é traição. A verdade é que ele tinha uma tal confiança e até paixão pelo Oscar Niemeyer que ele ficou seduzido pela cidade que o Niemeyer poderia fazer. O plano piloto foi feito pelo Lúcio Costa, num papel como esse que você está usando para fazer anotações. Como eu escrevi certa vez, ‘um papel de bicheiro’.

Você acompanhou a breve experiência parlamentarista no Brasil no início dos anos 60. Ainda hoje há políticos que defendem a implantação do parlamentarismo. Seria uma solução para a crise ou a agravaria?

Nenhuma possibilidade de dar certo. A cultura brasileira não é parlamentarista. Inclusive, já houve votação duas vezes. Uma, em 06 de janeiro de 1963, quando houve plebiscito, o presidencialismo ganhou e assumiu o João Goulart. Porque quando houve a renúncia do Jânio Quadros, houve o pré-golpe. Queriam que Jãnio assumisse com todos os poderes. Tanto que logo que ele assumiu mandou o vice, João Goulart, para a China. Não havia um projeto (relativo à viagem), não havia coisa alguma, ninguém sabia porque o João Goulart tinha sido mandado para a China.

Como o golpe (em 1961) não deu certo, eles propuseram o parlamentarismo com o Tancredo Neves. O Brizola não queria. Mas o João Goulart, muito mais esperto, muito mais consciente, disse para o Brizola: “O Tancredo é nosso amigo, nós já estamos no poder, então fica assim”. E ficou até 1963, quando houve o plebiscito. Mais tarde, a Constituinte de 1988 marcou um novo plebiscito para 5 anos depois. Então, em 1993 foi feito novo plebiscito e o presidencialismo ganhou disparado.

Agora, eles estão querendo o parlamentarismo de novo porque o parlamentarismo é a autenticação do troca-troca. Não é porque eles gostem do parlamentarismo. Porque, nos países parlamentaristas, principalmente, na Itália e na Grécia – na França é inteiramente diferente – o que acontece é o seguinte: o troca-troca é feito antes. Aberto. O presidente que, geralmente, é uma figura notável, de mais de 80 anos, tem a única finalidade de convocar o congresso parlamentarista.

Então, quando quem está no poder perde o poder (quando cai o primeiro-ministro), normalmente o presidente chama algum deputado, por exemplo o presidente do partido que tem mais deputados e pergunta: “Você quer formar o gabinete?” E o deputado pergunta: “Quantos dias o senhor me dá? 60 dias, presidente?” Muito bem. Nesses 60 dias, digamos que tenha 400 deputados, 440 tem nos Estados Unidos. Ele tem que formar o gabinete. Como ele tem o voto de confiança (dado pelo presidente), ele pensa: “440, metade é 220. Se eu obtiver 250, eu fico só com 190 contra”. Aí ele vai conversando e vai entregando o que os partidos pedem. Mas aí é aberto, é oficializado. Então, eles querem aqui no Brasil porque eles estão querendo fazer uma porção de modificações, todas favorecendo a eles.

O voto de lista, que é o distritão misto, é uma vergonha total e absoluta.

Algumas pessoas dizem que não haverá eleições ano que vem e lembram que em 64 também havia esperança de eleições em 65, que não ocorreram. É possível fazer esse tipo de comparação?

É impossível fazer qualquer comparação, qualquer análise, impossível dizer ou prever o que vai acontecer de hoje até 2018. Pode acontecer tudo. O país está numa situação vergonhosa, calamitosa criminosa.

Eu comecei no jornalismo com 13 anos (na revista “O Cruzeiro”). Já se vão 83 anos de jornalismo. Nunca aceitei cargos. Fui candidato a deputado federal em 1966. Porque interessava, realmente. Pelas pesquisas, eu poderia ser o mais votado. Outros que também poderiam ter muitos votos estavam exilados ou asilados (Hélio Fernandes não pôde concorrer porque teve os direitos políticos cassados naquele ano).

É, então, imprevisível o atual cenário…

Nada,, nada… Você vê… Em que país o presidente da República é chamado na TV  de ladrão? Como no caso do Joesley Batista.. Que é o máximo da falta de caráter! A humanidade não pode ter baixado tanto como baixou com Joesley Batista. É uma coisa inacreditável. É um verme total! Mas chamou o presidente da República de ladrão e nada acontece. Então, nesse país, neste momento, qualquer análise parece adivinhação.

Você chegou a dizer no Facebook que Temer seria cassado e Aécio preso. A que atribui o fato de isso não ter acontecido?

Dois jornalistas, um grande amigo meu, chegaram a dizer: “O Temer vai renunciar hoje!”. O senador Cássio Cunha Lima, vice-presidente do PSDB, fez uma declaração: “Dentro de 15 dias, o Brasil terá outro presidente. Temer não será mais nada.” Saiu em todos os jornais e televisões. Isso já tem três meses. Então, me recuso a fazer qualquer análise sobre isso, porque se o presidente da República é chamado de ladrão e não acontece nada, tudo pode acontecer nesse país.

Você tem usado o Facebook quase como um jornal diário em que publica informação e opinião. O que te leva a ainda continuar acreditando no jornalismo a ponto de ter buscado as novas tecnologias?

Tenho que continuar! Na Tribuna, escrevi que meu último artigo iria ser publicado no dia em que meu corpo saísse da Lavradio para ser cremado. E vou escrever até o último dia em que eu possa escrever. Não tenho nenhuma pretensão nem nada, mas acho que o Facebook passou a ter uma função muito mais política depois que comecei a escrever lá.

Quando você foi preso em 1963, a acusação era de ter publicado um documento oficial do ministério da guerra. Seu irmão Millôr te defendeu dizendo que um jornalista que recebe um documento desses e não publica é melhor abrir um armazém. Hoje em dia, operações como a Lava Jato vazam documentos para a imprensa e os jornalistas muitas vezes publicam sem visão crítica e sem aprofundamento na apuração. Eu queria que você comentasse isso e dissesse como vê o jornalismo feito hoje pelos grandes veículos.

Bom, a liberdade de imprensa é a liberdade dos donos de jornais. Ainda mais agora, com a importância da televisão, dos donos da televisão. O que acontece é o seguinte: eu fui dono de jornal, e trabalhei no “Diário de Notícias” e na revista “O Cruzeiro” com total liberdade.

Na Tribuna, você era o dono…

Sim. E, na revista “O Cruzeiro”, onde eu comecei, cheguei a secretário adjunto aos 19 anos. Tinha total liberdade, mas até o ponto em que eu atingia o interesse da revista “O Cruzeiro”. Muita gente diz que eu briguei com o Chateaubriand (dono dos “Diários Associados”, que editavam a revista “O Cruzeiro”), mas não era nada disso.

Acontece que, em 1948, o pessoal da guarda-marinha fez uma revolta contra o comandante da escola, o almirante Pinto Lima e o ministro da Marinha Silvio Noronha. Bom, eu me interessava por todos os assuntos e me interessei em fazer uma reportagem com eles (da guarda-marinha), que teve enorme repercussão.

Eu fiz uma reportagem com o título: “Anistia para os aspirantes”. A primeira matéria era “Revolta dos anjos”. Porque aquela farda branca deles era muito bonita. Fiz também uma terceira matéria, que era “Dois almirantes contra a Marinha”. Aí o Leão Gondim de Oliveira, que era representante do Chateaubriand na revista “O Cruzeiro”, mas não tinha nenhuma importância, me disse: “Hélio, o Chateaubriand está querendo falar com você hoje”. Eu disse: “Está bem”. Não ia dizer que não. Aí ele deu um telefonema, voltou e marcou para as 15h, na Av. Venezuela, o quartel general do Chateaubriand.

Cheguei lá e Chateabriand me disse: “Meu filho, eu queria falar com você…” Quer dizer, ele estava defendendo os dois almirantes. E, nas matérias, eu defendia o contrário. E a terceira matéria “Dois almirantes contra a Marinha” era duríssima (Hélio havia entregue essa matéria, mas ela não havia sido publicada ainda). Ele me disse: “Meu filho, essa matéria não vai sair”. Eu disse: “Se não sair, saio eu”. E ele: “De jeito nenhum. Eu tô maluco? Um jovem como você com esse talento…”. Eu disse: “Então, sai a matéria”. E ele: “Ah, isso de jeito nenhum…”

Ou seja, não foi exatamente uma briga, você saiu porque não concordou….

Exatamente. Eu tinha passado do ponto em que eu podia ir.

Mas você acha que isso que eu falei – sobre jornalistas receberem informação privilegiada e publicarem sem checar – tem a ver com a censura do dono ou com algum desleixo dos jornalistas?

Olha, vou te responder contando um fato histórico que pouca gente conhece. Em 1938, era ditadura Vargas, o Rubem Braga escrevia no “O Jornal”, do Chateaubriand. Era considerado o grande cronista da época. Hoje, já não tem mais cronista. O que tem é colunista. Colunismo é o que a gente faz no Facebook. Bom, mas aí o Rubem Braga escreveu um artigo sobre uma árvore redonda que tem muito na praça Paris (Ficus-Benjamina). “O Ficus da Praça Paris”. Pelo título, o censor oficial permitiu a publicação. No dia seguinte, quando saiu, houve uma verdadeira revolução. O Rubem Braga comparava aquela árvore redonda com a bunda do Getúlio. Aí foi uma coisa espantosa. O Getúlio chamou o Lourival Fontes, que era o Chefe da Casa Civil, todo-poderoso, uma das pessoas mais bem preparadas para ser Chefe da Casa Civil e um dos piores caráteres da história.

Era competente, mas mau caráter…

Exatamente. A mesma coisa que eu escrevi sobre o Mauro Henrique Simonsen, quando ele foi ministro da Fazenda – “o gênio incompetente”. Ele ficava uma fera. Mas aí o Getúlio mandou chamar o Lourival Fontes e disse: “Você chama os donos de jornais, diz que acabou a censura e que eles serão os responsáveis por tudo o que sair”. A partir daí, a censura do dono era talvez pior do que a censura oficial.

E você acha que hoje em dia a censura do dono ainda permanece forte?

É… Há um certo ar de liberdade, mas até os interesses serem ameaçados.

Bom, houve uma grande rede de comunicação – a Globo – que andou pedindo desculpas pelo apoio ao golpe de 64….

Eu sei. Assim como ficaram contra as “Diretas Já”… A Folha e O Globo foram contra. A Folha transportava presos políticos nos carros de levar os jornais!

Pois é… Mas a Folha não chegou a pedir desculpas, pelo menos não de forma tão clara como a Globo pediu. Eu queria saber, Hélio Fernandes, se você como dono de jornal que foi por tantos anos, especificamente da “Tribuna da Imprensa”, se você acha que tem alguma coisa que a “Tribuna” fez pela qual você pediria desculpas. Tem?

Nada. Nada. Nada. Não pediria desculpas por coisa alguma. Porque todo o pessoal que trabalhava lá tinha prazer no que fazia. Não havia censura. Eu escrevi uma vez que só dois donos de jornal sabiam escrever e escreviam: o Chateaubriand e eu. Em 1968, quando Chateaubriand morreu, eu escrevi: “Agora o Brasil só tem um dono de jornal que sabe escrever, que sou eu”. Eles não sabiam escrever. Agora, cada um tem o seu partido, tem os seus interesses. A Globo fez um documento de 600 páginas listando os erros e chamando de “equívoco jornalístico”.

E você acha um equívoco chamar de equívoco?

É lógico. Aquilo é uma concessão pública. Na ditadura, então, ganharam canais de televisão, de rádio… Ganharam tudo, tudo. Antes de 1964, “O Globo” era um jornal como qualquer outro. Comprou a televisão em 1965. Traiu, inclusive, os parceiros do Time Life. Ficou com máquinas que já haviam sido mandadas. Enriqueceram, realmente. Hoje é uma organização importantíssima no mundo. Agora, fazem todas as concessões. Com relação à Lava Jato, há coisas contra e a favor.

Mas caem para um lado, ou não?

Sim. Exatamente isso.

Para terminar, que recado você daria a um jovem que entra na faculdade de jornalismo sonhando com fama e dinheiro?

Digo que vai depender do talento dele de fazer a própria organização.

Tem que fazer a própria organização?

Tem. Se não ele vai ficar como um jornalista normal.


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Aos novos jornalistas, por Gilson Caroni Filho

fotorgilsoncaronif

Discurso de Paraninfo do Curso de Jornalismo das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha)- Turma 2016.2

Prezados colegas que compõem a mesa, prezados formandos, familiares e amigos aqui presentes.

Uma formatura é sempre um momento especial. Nele rememoramos o que foi o convívio acadêmico, o aprendizado de saberes fundamentais (teóricos e práticos) para o bom exercício do jornalismo e o quanto lutamos para estarmos aqui, neste 29 de março de 2017, com a sensação de missão cumprida.

Meus queridos alunos, em toda solenidade como esta eu me emociono. Não só pela homenagem em si, mas pelo que ela contém: o entrelaçamento de duas histórias: a minha e a de vocês, que começou nas salas, em aulas de Sociologia e de Cultura, Memória e Sociedade, e, acreditem, não vai terminar aqui.

Mas a formatura de hoje é especial. Muito especial mesmo, pois o tempo em suspensão me faz transitar pelo passado e pelo presente.  Há exatos 30 anos, em 1987, eu era paraninfo pela primeira vez.  Continuar sendo homenageado três décadas depois, não me dá apenas a certeza de que trilho o caminho certo. Mas a de que sou predestinado a viver momentos mágicos com pessoas mágicas.

Há nítidas diferenças entre o horizonte e as expectativas daqueles alunos dos anos 1980 e os sonhos e aspirações de vocês. Mas também há muitas semelhanças. Duas formaturas: tão distantes no tempo, tão próximas no afeto.

Na primeira, vivíamos tempos mais esperançosos, com o país se redemocratizando, após uma longa noite de arbítrio, uma Constituição sendo escrita e a certeza de que viveríamos num mundo mais justo, plural e democrático. Ingressar nas redações e emissoras de rádio e televisão, se não era fácil, era bem menos difícil do que é hoje.

O engajamento dos jovens progressistas se dava em partidos de esquerda e movimentos sociais que lutavam (e ainda lutam) contra a concentração de renda, o latifúndio que a tantos mata e a falta de moradia.  O sindicalismo nascido no ABC paulista aparecia como novidade no mundo do trabalho.

Para o jovem dos anos 2000, sem prejuízo dos embates no campo político-econômico, os movimentos identitários adquiriram centralidade. E como são substantivos! No Brasil, uma mulher é estuprada a cada 11 minutos.  Sessenta e três negros são assassinados por dia e as violações de direitos cometidas contra a população LGBT atingem índices inaceitáveis.

Como afirmar que as novas agendas são politicamente menos relevantes do que a de gerações anteriores? É possível uma democracia misógina?  É plausível pensar a questão democrática ignorando que vivemos em uma sociedade fracionada, com fortes resquícios escravocratas? Como falar em liberdade sem abolir os preconceitos heteronormativos? E o que dizer de uma ordem cisnormativa que faz do corpo a prisão do desejo? Nunca subestimemos a vontade de potência desta garotada. Rotulada de individualista, uma boa parte dela luta, combate, nos interstícios do tecido social, pelo aprofundamento da democracia.

Para os que estavam no auditório da ABI, há 30 anos, o objetivo era fazer da imprensa uma ferramenta para a transformação social, para a promoção da cidadania. Era consenso, e isso eu destaquei no discurso de 1987, que só haveria democracia no país se conseguíssemos democratizar os meios de comunicação.

Naquele ano, e no primeiro mês de 1988, o jornalismo brasileiro perdia três nomes importantes: Claudio Abramo, Sandro Moreyra e Henfil . Os dois primeiros eram jornalistas. O terceiro, um cartunista e escritor, que com traços precisos, criou um desenho humorístico político, crítico e satírico, para lutar em diversos jornais e revistas, pelo fim da ditadura, pela anistia política e pelas Diretas Já .

Todos eles tinham um traço em comum: Eram a expressão exata de uma deontologia que não separa o profissional do cidadão. Pelo contrário, reforça, por ação recíproca, as duas dimensões de quem age a descoberto. E é disso que precisamos.

Faço questão de citá-los porque o legado que eles deixaram deve nortear os novos jornalistas. Seria interessante acompanharem o trabalho árduo de Luís Nassif, Luiz Carlos Azenha, Rodrigo Vianna, Marcelo Auler, Paulo Nogueira e Jânio de Freitas, entre outros. São exemplos de que o jornalismo pode ser a minha linda profissão, quando se nada contra a corrente do panfletarismo neoliberal.

Se para os alunos do passado a tarefa era ingressar no mercado e fazer da informação um instrumento para revelar o que, para a maioria, estava oculto,  a de vocês é reinventar uma imprensa que se perdeu de si mesma. Que ignora a relevante função social que deveria desempenhar, que se submete aos imperativos de mercado para derrubar governos democraticamente eleitos, legitimar ilegítimos e criar a narrativa que suprime direitos sociais e trabalhistas. E aí está o pensamento único, em telas e páginas, tratando o desmonte de conquistas como “reformas inadiáveis”

Prezados formandos, de lá pra cá, houve inovações tecnológicas, mídias digitalizada e mudança de plataformas, mas algumas coisas permanecem inalteradas para um bom profissional: a apuração rigorosa, a necessidade de um texto conciso, a primazia da informação sobre a opinião e uma ética que não pode ser negociada com nenhuma linha editorial.

Eu sei que é difícil. Mas difícil não e sinônimo de impossível. Aquele jovem paraninfo de 1987 é hoje um professor aposentado que continua na ativa por acreditar na juventude para a qual leciona. E com ela aprende e se comove.

Encerro com as palavras de Paul Valéry: “o homem vive e morre aquilo que vê, mas só vê aquilo que sonha”. Sonhem sempre, vocês hoje estão deixando a faculdade, mas permaneceremos juntos no firme propósito de acreditar na vida como invenção diária. Muita força, muita luta.

Muito obrigado.

Professor Gilson Caroni Filho.

Rio de Janeiro, 29 de março de 2017.

Publicado originalmente no jornal GGN, de Luís Nassif.

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